Prioridade - apoio aos nossos compatriotas apanhados na crise. A seguir - prestar ajuda humanitária de emergência aos países e comunidades afectados.
As necessidades são tremendas, sem precedentes, na maior catástrofe humanitária de que há registo, segundo a ONU - a contagem dos mortos vai agora em 68.000, a dos semi-vivos necessitados ainda está por calcular. A comunidade internacional tem de ajudar, organizadamente para ser eficaz, repartindo tarefas - e ninguém pode substituir a inestimável experiência da ONU e suas agências, inclusivamente coordenando o direccionamento da ajuda não governamental.
Portugal tem escassos recursos, não pode chegar a todo o lado. Anuncia-se a partida de dois aviões transportando ajuda portuguesa, governamental e não governamental, com destino ao Sri Lanka - onde não temos sequer embaixada, apesar dos intensos laços históricos e humanos (é ver os Pereras, Gonçalves e Fernandes que testemunham dali para as cadeias de TV internacionais nestes dias). Diversas razões podem explicar esta escolha de alvo: é mais fácil (até pela língua), é mais perto, é mais acessível, é mais barato, começou por ser dado como o país mais afectado, recuperava duma longa guerra civil, aproxima-se a celebração do aniversário do primeiro encontro com portugueses há 5 séculos (apesar dos desencontro do último século, sobretudo por desinteresse nosso ...), tem potencial turistico, etc....
Mas se há país afectado que deveria ser considerado prioritariamente, do ponto de vista político, para a ajuda portuguesa, é a Indonésia. É o mais traumatizado e o mais necessitado. No Aceh, provincia já tão martirizada por 30 anos de conflito armado, sofreu-se agora a devastação primeiro do tremor de terra e depois do tsunami. Seguir-se-ão as epidemias, se não se enterram rapidamente os mortos, e os motins se não se dá rapidamente apoio mínimo a quem sobreviveu.
É uma zona até aqui vedada à comunidade internacional - mas a tragédia obrigou as autoridades indonésias a abri-la ao auxilío exterior, o que não se pode desaproveitar, sobretudo na perspectiva de ajudar também, do mesmo passo, a por termo ao conflito armado e reconstruir as relações dos acehneses com Jacarta.
O Aceh tem com Portugal laços históricos e humanos tão antigos e tão ou mais fortes que o Sri Lanka, como provam Lamno e outros «kampung portugis» agora, porventura, destroçados ou a precisar de auxilio básico e reconstrução. É, tenho a certeza, à semelhança de toda a Indonésia, uma zona onde a ajuda portuguesa será bem acolhida e muito especialmente apreciada.
Por outro lado Portugal continua a precisar de cultivar particulamente as suas relações com a Indonésia, para recuperar dos anos de conflito político e diplomático por causa da questão de Timor-Leste, pelas nossas valiosas relações bilaterais seculares e pelas perspectivas de relacionamento comercial e económico que desde 2000 se abriram ( e que Lisboa não soube, nem quis explorar e desenvolver, para minha maior frustração). E, também pelo impacte positivo que o bom entendimento Lisboa-Jacarta tem sobre o relacionamento entre a Indonésia e Timor-Leste.
Por Timor- Leste, em última análise, deviamos neste momento ter aviões de ajuda de emergência a partir para o Aceh.
Bem sei que o Estado não pode tudo financeiramente, sobretudo quando se acha tão mal governado nos últimos anos e tão desgovernado nos últimos meses. Mas pode estabelecer prioridades políticas. É para isso que serve o MNE. E a sociedade civil pode ajudar financeiramente o Estado: que se cheguem à frente os bancos e empresários, da Opus Dei ou dos «Compromissos Portugais» e outros que tais. Para darem sentido prático aos chavões de «responsabilidades social», «ética corporativa» com que já vão, volta e meia, cosmopolitanamente salpicando o discurso. Fico à espera de os ver estimular e financiar uma intervenção humanitária de emergência portuguesa no Aceh-Indonésia.
Ana Gomes