Escrevo com algum atraso relativamente à controvérsia levantada pelo despique parlamentar entre o líder do PS-Madeira, Jacinto Serrão, e o líder da bancada do PSD-M, Jaime Ramos. Mas a distância temporal é, muitas vezes, boa conselheira: permite-nos avaliar de forma mais fria e racional os factos que nos propomos comentar. É esse, precisamente, o caso.
Serrão foi alvo de duras críticas por causa da sua reacção excessivamente emocional às habituais, grotescas e intoleráveis provocações de Ramos. A repetição de passagens da sua intervenção em alguns canais televisivos sublinhou esse excesso e proporcionou severas interpretações moralistas. Ou seja: ao falar assim, Serrão ter-se-ia colocado ao nível do interlocutor e mostrado que o recurso à vulgaridade e à má-criação deixou de ser um exclusivo do jardinismo, contaminando a natureza do «debate» político na Madeira. Pior: reagindo dessa forma, Serrão teria favorecido o abstencionismo cívico dos madeirenses que rejeitam o sistema jardinista mas também recusam uma oposição que recorre a uma linguagem idêntica à dos seus adversários políticos.
Compreendo esses argumentos, mas tenho uma opinião diferente. E considero que alguns dos argumentos invocados têm por base um moralismo hipócrita. Não é legítimo exigir a quem é sistematicamente alvo de insultos que tenha a frieza de lhes responder de uma forma urbana e bem-educada. Se sou insultado e não reajo -- ou reajo de uma forma tão suave e gentil que deixa indiferentes ou até sorridentes os que não conhecem outra linguagem senão a do insulto e da boçalidade mais primária -- corro o risco de passar por ingénuo, por parvo, ou até por cobarde. É isso, aliás, o que tem acontecido, ao longo de décadas, à oposição madeirense.
É certo que teria preferido que Serrão se tivesse controlado mais, que não tivesse descido ao nível de tratar por tu e pelo diminutivo o seu adversário. Mas como é possível, em nome da hipocrisia do «politicamente correcto», negar a alguém o direito de, pelo menos uma vez, exceder-se e perder literalmente a cabeça quando é confrontado com um troglodita que parece saído das grutas pré-históricas e só sabe vociferar grunhidos simiescos para discutir com os humanos? Posso discordar da forma como Serrão reagiu, mas não discuto o fundo. De resto, já aqui escrevi que para responder a um malcriado só há uma forma comprovadamente eficaz -- é mostrar que, apesar da nossa boa-educação, somos capazes de ser ainda mais malcriados do que ele.
Aliás, no que se refere aos «sifões de retretes», Serrão nem sequer foi original: limitou-se a repetir uma expressão consagrada pelo general Carlos Azeredo, no seu livro de memórias, a propósito de Jaime Ramos. E quanto ao resto, creio bem que, depois do que aconteceu, Ramos e os seus colegas de má-criação militante, além do inefável presidente do parlamento madeirense, não deixarão de extrair as devidas consequências do caso. Se souberem que o insulto não fica impune e implica um direito de retaliação, talvez se cuidem, futuramente, nos modos e na linguagem que se devem observar num debate parlamentar.
Vicente Jorge Silva
(Este texto é também publicado na próxima edição do quinzenário madeirense «Garajau»)