Hoje no Parlamento Europeu votei a favor da abertura das negociações com a Turquia.
Votei a favor da abertura de um processo de adesão, o que não implica decidir sobre o resultado final desse processo, que vai demorar anos a negociar. E votei contra um estatuto de parceria, como o que uma certa direita europeia agora quer oferecer à Turquia, porque isso significaria que a UE não honraria as suas promessas, que respeitavam à possibilidade de adesão e mais nada. Tal não exclui, porém, que no decorrer do percurso negocial, ambas as partes venham a preferir outra solução do que a adesão.
Votei a favor, determinada, sobretudo, pelos testemunhos de inúmeros defensores dos direitos humanos turcos que no PE (e fora dele) confirmaram a existência de desenvolvimentos positivos na situação da Turquia, em especial nos últimos dois anos do Governo Erdogan. Desenvolvimentos que são resultado da pressão exercida pela UE. Desenvolvimentos que não chegam, claramente: ainda há mais de 5.000 presos políticos na Turquia, ainda há tortura nas cadeias, ainda não se ensina a língua curda nas escolas oficiais nas zonas curdas, ainda não foram reintegrados os milhares de curdos desalojados das suas aldeias, a Turquia ainda ocupa militarmente parte de Chipre, etc... Mas uma ruptura do processo de abertura de negociações nesta fase teria consequências desastrosas para a situação dos direitos humanos e para o desenvolvimento das instituições democráticas e o reforço da sociedade civil na Turquia.
Votei a favor, não obstante estar ciente de que a Europa, que ainda não digeriu o último alargamento, terá cada vez mais dificuldade em aprofundar a sua construção se a perspectiva da adesão de um colosso como a Turquia se concretizar; até porque a partir daqui não haverá coerência em excluir a possibilidade da entrada da Ucrânia, da Bielo-russia, da própria Russia...
Mas votei a favor, porque a UE não podia, agora, virar as costas ao povo turco, renegando os seus próprios compromissos. Compromissos, frequentemente reafirmados ao longo de tantos anos por governos de direita e de esquerda, incluindo socialistas portugueses. Compromissos assumidos sem ponderação das implicações concretas para a UE e reflectindo, muitas vezes, um alinhamento acrítico pelas posições dos EUA e de outros, porventura mais interessados na divisão ou na diluição do que na união da Europa.
Votei a favor, apesar de os governantes europeus de esquerda ou de direita levianamente não terem até hoje promovido uma reflexão séria sobre para onde deve ir a Europa e quais os limites das suas fronteiras geográficas. Porque recuso as fronteiras político-culturais da "Europa - clube cristão" e não quero dar trunfos ao cumprimento das profecias desastrosas para a Humanidade do "confronto de civilizações", sobretudo numa era de tanta injustiça e tensão política a fomentarem o terrorismo internacional.
Votei a favor, no pressuposto de que a Turquia não pode protelar o reconhecimento da República de Chipre, membro da UE, nem protelar a retirada da parte que ocupa militarmente.
Votei a favor do reconhecimento do genocídio do povo arménio por parte da Turquia, por considerar que ele é essencial para a reconciliação com os seus vizinhos e com a sua história e condição indispensável para consolidar um Estado de Direito.
Não gostei nada, francamente, de parte da argumentação que as autoridades e algumas personalidades turcas estão a usar para levar a UE a dar luz verde à abertura das negociações, sobretudo havendo ainda tanto trabalhinho de casa por fazer.
Mas votei, finalmente, a favor, por acreditar que a UE estará assim em melhor posição para ser exigente e vigilante quanto à evolução à Turquia em matéria de respeito pelos direitos humanos e edificação do Estado de direito democrático. Procurarei zelar por isso, como deputada ao PE.
Ana Gomes