quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Antes de acenar com paus ou cenouras, conhece o teu burro


No "post" anterior escrevi que não discordo do objectivo de espalhar liberdade e democracia por esse mundo fora que messiânicamente Bush apregoou no discurso de re-investidura. Rejeito, porém, o auto-proclamado "messias", sem ponta de credibilidade, e os métodos ineficazes e contraproducentes que ele e "sus muchachos neo-cons" têm aplicado.
Sobre o tema escreve no GUARDIAN de hoje Timothy Garton Ash, com pertinência: "A Ucrânia é o bom caminho para espalhar a liberdade, Iraque é o errado. Será que a lição vem demasiado tarde para o Irão?".
Vale a pena transcrever extractos:
"A Ucrânia é o bom caminho(...).os ucranianos fizeram-no por si próprios. Com um bocadinho de ajuda dos amigos, claro(...).A revoluçao laranja foi inteiramente pacífica(...).o que se segue pode ser bagunçado, mas é provável que seja melhor para quem lá vive do que antes."
"O Iraque é o caminho errado. Começou com uma guerra (...)na base da falsa suspeita sobre ADM. A justificação da construção democrática só veio depois, quando as provas de ADM e de ligações terroristas se evaporaram.(...) A maior parte dos iraquianos ficou contente por se ver livre de Saddam, mas isto não aconteceu por sua iniciativa.(...) Mas muitos que eram contra Saddam acabaram por ser ainda mais contra a ocupação estrangeira".
"A ocupação americana foi levada a cabo com grosseira incompetência e falta de sensibilidade. Já para não falar nos abusos de direitos humanos de Abu Ghraib. O custo financeiro é aterrador. Face ao último pedido de financiamento de Bush, estimo o custo total da guerra e ocupação em mais de 250 milhares de milhões de dólares. Quantas vidas por esse mundo fora poderiam ter sido salvas por esses 250 MM?"
"E qual foi o resultado? Provavelmente a maior parte dos iraquianos sente-se mais livre do que sob o jugo de Saddam. Mas também mais inseguros. (...) este é um país num estado sem lei e à beira de uma guerra civil. Tornou-se num terreno tanto de treino como de criação de terroristas - exactamente o oposto do que pretendia a Administração Bush. A seguir à Palestina, é hoje o principal factor de congregação das forças anti-ocidentais e anti-liberais no mundo islâmico.
"Entretanto, o debate em Washington é sobre como sair desta trapalhada. (...) Henry Kissinger e Gorge Shultz já delineiam o que chamam de "estratégia de saída realista".
"Mas (na Ucrânia) a Europa não ganhou o direito à auto-congratular-se. O magnetismo da UE foi um factor. (...) Mas os americanos há anos que estavam mais activos do que os europeus no apoio aos democratas lá. A Ucrânia (...) foi uma vitória conjunta dos europeus e dos americanos.
"A comparação entre a Ucrânia e o Iraque não é apenas sobre o passado. É sobre o que é que a Europa e a América podem conseguir juntas nos próximos 4 anos e sobre o que não devem disputar-se. O maior, talvez o mais óbvio, teste seja o Irão. Se tivessemos feito pelo Irão nos últimos 5 anos o que fizemos pela Ucrânia, e não tivessemos invadido o Iraque, talvez o Irão fosse a Ucrânia do Médio Oriente. (...) Agora o regime islâmico iraniano está mais entrincheirado do que antes da guerra no Iraque, com os seus agentes democráticos mais enfraquecidos.(...)"Se se quer evitar uma nova crise do Ocidente, a Europa e a América têm de acordar numa abordagem conjunta, com mais "paus" europeus e mais "cenouras" americanas. As opções iraquianas e ucranianas já não estão disponíveis. Mas podemos tirar uma lição quer da Ucrânia, quer do Iraque: tudo depende de uma análise correcta das consequências domésticas prováveis no país em causa das nossas acções no exterior. Resumindo: antes de acenar com "paus" ou "cenouras", conhece o teu burro".