À distância de Bruxelas, segui algumas das imagens que a televisão proporcionou do funeral de Álvaro Cunhal. Impossível não ficar tocada pela discreção com que envolveu os sofridos últimos anos de vida. E pela manifestação de vontade política com que quis estar «presente» no seu próprio funeral.
Sim. Porque o acompanhamento popular solidário, comovido e massivo ao seu derradeiro destino constituiu a última figuração simbólica da inquebrantável unidade do seu Partido e do povo, por que toda a vida trabalhou. Bandeiras vermelhas ao alto, «Internacional» entoada a plenos pulmões, Lisboa e o país curvados à passagem do féretro, adversários e protagonistas políticos de todos os matizes evocando respeitosamente as suas qualidades: tudo constitui o legado triunfal e final que Álvaro Cunhal quis deixar ao país, ao Partido, aos camaradas e aos amigos.
Logrou-o, reconheçamo-lo, tão só porque foi um bravo, um homem forte e determinado. Um Príncipe do seu tempo. Tão impiedoso e frio na vertigem das suas ideias e princípios, quanto correcto, cortês e até afável nas relações pessoais.
Nos meus vinte anos, do alto da minha «verdade maoísta», vezes sem conta o tomei verbal e muralmente como alvo privilegiado a abater. Três decadas passadas, sem apagar divergências, declaro o meu respeito pela sua memória e admiração pela sua vida de combate. E por isso expresso solidariedade a todos, familiares e camaradas, que choram a sua perda.
A Ministra da Cultura sintetizou o que Álvaro Cunhal inspira hoje a quem, como eu, a certa altura combateu o seu projecto político: «Foi um herói contra o fascismo. E por isso também um construtor da nossa democracia».