A poucos dias do lançamento oficial da candidatura de Mário Soares -- com o apoio oficial do PS --, as declarações de Manuel Alegre, no Expresso de hoje, a manter em aberto a possibilidade de se candidatar, com decisão definitiva somente depois das eleições autárquicas, só podem ser produto, na melhor das interpretações, de uma incomensurável teimosia romântica.
Manuel Alegre poderia ter predeterminado os dados das eleições presidenciais à esquerda, se, à maneira de Sampaio dez anos atrás, tivesse avançado decididamente para a candidatura no primeiro momento propício, logo que se tornou evidente a auto-exclusão de António Guterres. Isso teria condicionado, porventura irreversivelmente, o PS, que teria tido muita dificuldade em contrariar a iniciativa e em promover uma candidatura alternativa para lhe opor. Faltou-lhe, porém, arrojo suficiente para tal rasgo.
Por mais que se possa agora pretender o contrário, Alegre não tinha obviamente nenhumas condições para vencer Cavaco Silva, mas o PS (e não só) parecia conformado com a fatalidade da derrota nas presidenciais. Com Alegre, contudo, a esquerda socialista teria pelo menos um excelente candidato para travar um "combate de princípios" e para vender o mais caro possível uma "derrota honrosa". Mas a sua hesitação pessoal, porventura à espera de um improvável chamamento do partido, deitou por terra as suas possibilidades, vindo a manifestar a sua disponibilidade, já em puro reactivismo extemporâneo, somente quando se apercebeu que entretanto estava consumado, à margem dele, um entendimento entre Sócrates e Soares, em favor da candidatura deste. «Inês era morta», então.
É evidente que as candidaturas presidenciais, como actos de responsabilidade individual que são (desde que haja pelo menos 7500 eleitores que as subscrevam...), não têm de obedecer a regras de racionalidade política. Contudo, depois do avanço de Soares, com todo o apoio do PS atrás de si, deixou de haver qualquer espaço político para outra candidatura na área socialista. A possível expectativa que Alegre pudesse ter de um movimento de fundo, no PS ou fora dele, de apoio à sua candidatura -- o que aliás pressuporia uma fractura no PS -- releva de uma inesperada ingenuidade ou obstinação política, estando condenada a uma inevitável frustração.
Por admirável que possa ser a bravura de quem se vê abandonado "só no seu quadrado", a demora em tirar as irrefutáveis ilações políticas desse reconhecimento não lhe acrescenta mais honra ou mérito.