Não considero fundada a tese de que, ao propor a convocação do referendo da despenalização do aborto para depois das eleições autárquicas, a intenção do PS é «atrapalhar» a candidatura presidencial de Cavaco Silva.
Primeiro, o PS já propôs, há vários meses, a realização do referendo antes do Verão (tendo essa proposta sido rejeitada pelo Presidente da República); e anunciou logo nessa altura o propósito de revalidar a proposta de referendo no início da nova legislatura, em Setembro. Portanto, o que os factos indiciam é que se trata de uma questão a que o PS atribuiu grande prioridade desde o princípio, independemente das eleições presidenciais, que até agora estavam fora da agenda política. (Além da sua importância intrínseca, o tema da despenalização do aborto pode "desviar" os eleitores de outros temas adversos ao Governo, como as medidas de austeridade, a situação económica e, nessa altura, o orçamento para 2006...).
Segundo, não vejo em que é que o referendo pode atrapalhar Cavaco Silva. Não é precisa grande imaginação para ele encontrar uma saída assaz airosa: «Como candidato a PR entendo não dever participar no debate referendário, nem pronunciar-me sobre o tema, até para não influenciar os meus possíveis eleitores, e garanto obviamente que, se for eleito PR, respeitarei e farei cumprir, na parte que me tocar, o resultado do referendo, qualquer que ele seja». É o que se chama "dar a volta por cima"...