No sábado passado, o Dr. Miguel Monjardino explicou na revista SÁBADO que discordava de um meu artigo publicado no EXPRESSO dia 15.10, intitulado 'Irão e nuclear'. (ver ABA DA CAUSA).
Li com atenção o Dr. Monjardino. E o que mais me surpreendeu foi a total ausência de reflexão - ou mesmo opinião - sobre o futuro do Tratado de Não proliferação Nuclear (NPT).
E é isso que explica o nosso desacordo: enquanto eu vejo a crise nuclear iraniana no contexto global da erosão do regime de não proliferação nuclear, o Dr. Monjardino ignora este aspecto e argumenta como se de uma questão bilateral - entre Washington e Teerão - se tratasse. Só espero que o Dr. Monjardino não se esqueça também de mencionar o NPT (e os direitos e deveres que daí decorrem para os seus signatários) aos alunos na sua Universidade....
Segundo o Dr. Monjardino, o meu erro principal é o de defender que "abolir o actual arsenal nuclear americano...iria tornar mais difícil a países como a Rússia, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Irão manter os seus programas ou ambições nucleares." Defenderei isto tudo "implicitamente"...
Costumo ser bastante explícita nas minhas ideias e julgo tê-lo sido também desta vez. O que eu escrevi foi: "o NPT estabelece um equilíbrio entre as obrigações das potências nucleares legais em desarmar gradualmente e o direito dos restantes estados em adquirirem, de forma transparente e legal, tecnologia nuclear para fins civis. Cada sinal por parte da França, Reino Unido, Estados Unidos, China e Rússia de que não querem desarmar nos termos do art. 6 do NPT, representa mais uma machadada neste equilíbrio crucial."
Ao ignorar as minhas referências ao equilíbrio entre desarmamento e não-proliferação na base do NPT, e ao dever de todas as potências nucleares o respeitarem, o Dr. Monjardino reproduziu o meu argumento incorrectamente. Nunca defendi que o programa nuclear iraniano per se dependesse da abolição do arsenal nuclear americano, mas sim que o futuro do NPT a longo prazo também passa por gestos na direcção do desarmamento nuclear pelos EUA e pelas outras 4 potências nucleares autorizadas.
Mas é verdade que saliento particularmente as contribuições dos EUA para a erosão do NPT. E não estou só. A revista The Economist, a 20 de Outubro, num artigo sobre a estratégia diplomática da administração Bush em relação à não proliferação, significativamente intitulado "Nuclear confusion", salienta vários exemplos da forma errática e selectiva como os EUA exigem a aplicação do NPT. Referindo-se ao exemplo mais recente e talvez mais gritante - o recente acordo nuclear com a Índia - o The Economist lembra (e muito bem) que "bending the rules for India makes it harder to uphold them elsewhere...". Numa altura em que se procura desarmar a Coreia do Norte e evitar que o Irão adquira armas nucleares (e a Venezuela e outros...), os EUA decidem coroar como legítima uma potência nuclear (a Índia) à margem da lei. E continuam a fingir não reparar nos seus aliados Israel e Paquistão, também fora da lei neste domínio, com arsenais que só dão "argumentos" para a proliferação a vizinhos (incluindo, precisamnete, o Irão). Nuclear confusion, indeed!
Também não defendi que as potências nucleares concentrassem esforços na demanda do Graal (a abolição total de arsenais nucleares), mas sim que contribuíssem de forma responsável e gradual - nomeadamente através de medidas de desarmamento no contexto do NPT, mas também através de uma diplomacia nuclear coerente e realista em relação ao Irão, por exemplo - para o fortalecimento dos consensos à volta do regime de não-proliferação a longo prazo. Porque, apesar de serem complexas e muitas vezes difícil de aplicar, as regras do NPT são as únicas que temos. E como diz o The Economist, referindo-se ao hábito desagradável desta Casa Branca de aplicar dois pesos e duas medidas no cumprimento do NPT, «breaking those rules can lead to anarchy".
E assim proliferam os "anti-americanos primários", para desapontamento do Dr. Monjardino! Até o "The Economist"....
(PS - Este texto foi escrito e enviado através da Sábado ao Dr. Monjardino antes do ataque odioso do Presidente iraniano contra Israel e os EUA. Que não me leva a mudar uma palavra. Mas em breve o comentarei).