«Há que saber retirar algumas ilações do voto de 22 de Janeiro.
Em primeiro lugar, os eleitores que há onze meses deram a maioria absoluta ao PS, valorizaram a imagem de marca de Cavaco - o (pretenso) rigor e o conhecimento das questões económicas -, não dando crédito aos que antevêem algum perigo de instabilidade política. Compreende-se que assim tenha sido, já que o Primeiro-Ministro, pilar da actual maioria, não fez uma referência a este cenário.
Em segundo, parece inequívoco que os portugueses não quiseram conceder a Cavaco uma legitimidade plebiscitária, já que o resultado obtido não constitui o "raz-de-maré" que alguma direita reclamava, para assim desequilibrar a relação de poderes.
Em terceiro, os eleitores pretendem um Presidente que não tenha uma leitura minimalista dos seus poderes - como tantas vezes aconteceu com Sampaio - e chumbou quem se apresentou pela negativa e numa lógica de mera resistência, acima de tudo procurando barrar o caminho a Cavaco.
Em quarto, os cidadãos infligiram uma derrota pesada ao PS e a Mário Soares, assim manifestando incompreensão quer pelas circunstâncias que conduziram à divisão daquele quadrante, quer pelo regresso de Soares, já fora do seu tempo político. Um dia saberemos o que, verdadeiramente, se passou.
Em quinto lugar, os portugueses deram um sinal, mais uma vez, de cansaço face a quem tem uma existência e um discurso exclusivamente políticos. Neste sentido, estão em vantagem os que possuem créditos firmados noutras áreas da sociedade e que revelem alguma capacidade para mobilizar os cidadãos para objectivos mais concretos, com tradução na vida real. (...)
Algumas destas conclusões, inevitáveis, têm um sabor amargo. Desde logo, porque Mário Soares não nos parece merecedor do resultado que obteve. Será, pois, de enaltecer aqui a sua coragem, vitalidade e desprendimento inexcedíveis. Deve também assinalar-se que Manuel Alegre - que apoiei nas eleições internas do PS - não esteve, desta vez, à altura da sua obra e do seu percurso, cedendo ao populismo fácil do discurso "anti-aparelho". Face a tal discurso, sentar-se de novo na bancada parlamentar e nos órgãos do PS seria de uma insanável incoerência.
Mas a Direcção do Partido não é isenta de críticas. Quem assume o "mea culpa" pela estratégia prosseguida nas Autárquicas e nas Presidenciais? Por momentos, sou levado a pensar que o objectivo nem sempre foi vencer. São devidas explicações convincentes.
Aparte disso, o essencial é "abanar o Partido" e mobilizar o País para as reformas necessárias na sociedade. É que mal vai a democracia quando os Partidos se esgotem em si mesmos e não existam para responder às necessidades dos cidadãos.»
Eduardo Gravanita