O MNE Freitas do Amaral visitou na semana passada a Arábia Saudita. Apresentou a visita como um esforço para demonstrar que «não há razão para nos convencermos de que é inevitável um conflito entre o Ocidente e o Islão» e que «Portugal, tal como a UE, está interessado em ter as melhores relações com o mundo islâmico e no diálogo e não na guerra das civilizações». É também defensável querer «ouvir da boca dos dirigentes sauditas o que pensam do conflito no Médio Oriente». Mas o Ministro também disse, no contexto desta visita, que o «diálogo com países árabes moderados» passa também pela região do Magreb.
Cheirou-me a esturro. Estaria o MNE português a incluir implicitamente a Arábia Saudita na lista de «países árabes moderados»?
Não é segredo para ninguém que a Arábia Saudita está nas mãos de um regime ultra-conservador que é a principal fonte de doutrina e financiamento da versão mais reaccionária e purista do salafismo islâmico: o wahhabismo (como explica o relatório do International Crisis Group Understanding Islamism, de 2.3.2005, acessível na website www.crisisgroup.org). Não deve haver outro país mais responsável pela deriva jihadista do Islão sunita. Através do financiamento de instituições (associações e partidos, universidades e outras escolas, centros de saúde, etc...) que espalham uma visão medieval do Islão pelo mundo - a visão que inspira os terroristas da Al Qaeda e suas «franchises», como a Jemaah Islamiya que vi actuar na Indonésia. E através da protecção que Riade deu a grupos e indivíduos radicais islâmicos desde o princípio dos anos 80. O mais conhecido é, claro, Ossama Bin Laden.
A visão medieval do Islão à la saudita, para além de tudo o mais, assenta na violação sistemática dos direitos (humanos) das mulheres e na aplicação sistemática da pena de morte. A Arábia Saudita é considerada pela organização «Repórteres sem Fronteiras» um dos países do mundo com a imprensa mais amordaçada.
Talvez o MNE não estivesse a incluir este regime entre «os países árabes moderados». Mas infelizmente, a política externa portuguesa do governo de José Sócrates tem tido tão poucos escrúpulos em matéria de direitos humanos, que fico sem vontade de conceder ao MNE o benefício da dúvida. Depois da visita de Outubro de 2005 de Sócrates, acompanhado por uma comitiva de dimensões faraónicas, incluindo 3 ministros - à Líbia de Khaddafi, um regime profundamente repressivo (porventura também elencado na lista de «países árabes moderados» do MNE?), tivemos as declarações do PM sobre a necessidade de levantar o embargo de armas à China, defendendo que esta era uma questão «de justiça»; e uma visita a Angola sem sequer suscitar preocupações de direitos humanos (sobre todas aqui escrevi, oportunamente).
No próximo dia 9 de Maio em Nova Iorque vão ser eleitos os países que integrarão o novo Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Portugal concorre e, perante o nível da concorrência, até se arrisca a entrar. Talvez não ficasse mal começar a reflectir sobre a imagem do país, de cada vez que se visita uma ditadura e não se tem a coragem de criticar ou sequer abordar as questões de direitos huamnos. Senão, qualquer dia, já estou a ver o PM ou o MNE a visitarem a Coreia do Norte ou o Sudão (tem petróleo!...), com a justificação de mostrar o interesse de Portugal «em promover o diálogo» ou «em receber investimento directo»...