Num extraordinário volte-face na telenovela à volta do programa nuclear iraniano, os EUA admitiram finalmente a possibilidade de se juntarem a negociações directas com o Irão, sob a condição de este país suspender durante tempo indeterminado o enriquecimento de urânio e permitir à Agência Internacional de Energia Atómica estabelecer, de uma vez por todas, se o programa nuclear de Teerão é para fins militares ou pacíficos. (Não que restem dúvidas, mas ainda é preciso convencer a Rússia e a China que não se trata de uma obsessão do Ocidente, mas sim de preocupação genuína com um problema real).
Mas o mais surpreendente do novo pacote negocial apresentado aos iranianos por Solana em nome da China, da Rússia, da Alemanha, da França, do Reino Unido e dos EUA, é a possibilidade crucial de os "mullahs" manterem no seu país algumas capacidades de enriquecimento de urânio em escala reduzida. É o que diz o "WASHINGTON POST" de ontem, citando diplomatas europeus e americanos(vide http://www.washingtonpost.com/wp-yn/content/article/2006/06/06/AR2006060600685.html).
A confirmar-se esta notícia, trata-se de uma proposta que permitiria ao regime de Teerão manter a face nesta disputa, ao mesmo tempo que se impediria o Irão de produzir urânio enriquecido em escala industrial - e, assim, de produzir bombas atómicas.
Num artigo que escrevi e foi publicado no "EXPRESSO" em de Outubro de 2005 (e que está reproduzido na ABA DA CAUSA), eu dizia que eram precisas "soluções criativas para o programa nuclear do Irão (soluções que também se poderão aplicar a outros países que possuem ou venham possuir a tecnologia, como o Brasil): em vez de insistir com os "mullahs" para que abandonem todas as capacidades de enriquecimento de urânio, a Europa podia seguir o conselho do International Crisis Group: Teerão manteria um programa de enriquecimento de dimensões reduzidas e rigidamente controladas pela AIEA, ou alternativamente, todas as centrais nucleares iranianas seriam administradas conjuntamente pelo Irão e pela ONU, por exemplo."
Não sei se o Irão vai aceitar esta nova proposta, que inclui a possibilidade - pela primeira vez desde a crise dos reféns que se seguiu à revolução iraniana de 1979 - de negociações directas entre os EUA e Teerão, num contexto multilateral.
Mas uma coisa é certa: a proposta parece séria e bem concebida. E manda a bola para o campo de Teerão. Ao rejeitá-la, o Irão estaria a rejeitar uma posição comum de todas os P5 e confirmaria, perante os cépticos, os propósitos bélicos do seu programa nuclear.
Claro que há quem deva estar, a esta hora, de monco caído - os adeptos da atitude pueril "bombardeia-se o Irão, como fez Israel no Iraque em 1981 e já está!", que a escudavam na intransigência dos EUA em relação ao enriquecimento doméstico de urânio e quanto ao diálogo entre EUA e Irão. Há-os de ambos os lados do Atlântico. Incluindo, claro, em Portugal, onde abundam os pró-americanos mais pró-americanos do que os próprios americanos...