No DN e no “Jugular” de anteontem, a jornalista Fernanda Câncio acusa-me de “bonomia” assistindo à edificação de um “totalitarismo que estabelece o sistema judicial como centro do poder - um poder insindicado e insindicável, que recusa qualquer questionamento como "interferência" e "pressão" - e o jornalismo como o seu braço armado” a propósito de uma “escuta sem critério e a reprodução mercantil de conversas privadas”.
Isto porque respondi a jornalistas ter reagido “à gargalhada” à transcrição de uma conversa telefónica entre Edite Estrela e Armando Vara que se encontrará no processo «Face Oculta» e que o “CM” divulgou.
Não sei porque Fernanda Câncio toma a nuvem por Juno: eu não ri da transcrição da escuta – não tive acesso ao processo, não sei se a escuta se justifica no quadro da investigação, não sei se estamos perante uma “reprodução mercantil” e sobretudo não julgo que a divulgação daquela conversa tenha interesse informativo para o público – pelo menos eu não fiquei a saber nada de novo. Eu ri, evidentemente, do conteúdo da transcrição - que, em parte, me dizia respeito.
Fernanda Câncio não tem razão quando me acusa de “bonomia” face à aliança de poderes judiciais com jornalistas para intrumentalizar a transcrição de conversas privadas registadas em escutas judiciais. Esquece que eu pertenci à direcção do PS - a de Ferro Rodrigues - que foi miseravelmente atacada pela orquestração perversa de instâncias judiciais com jornalismo de sarjeta (e não era só nos tabloides). E que protestei o mais que pude – quando muitos e muitas, cautelosa e calculisticamente, calaram...
Não me calei então, nem me calo hoje. Mas sei distinguir entre o que é fabricação caluniosa – e deve ser desmentido e desmascarado como tal. E o que, sendo abusivo e porventura até criminososo na divulgação, não é desmentido ... porque não é desmentível.
Lembra-me a revelação de outras escutas num outro processo judicial, sobre as diligências empreendidas por um próximo do PS, em 2005, junto de responsáveis do CDS-PP, para conseguir trepar a uma magistratura de topo, e dos favores de vasculhagem policial que se prestava a fazer em troca. Afirmei publicamente a minha incredulidade, pedi que tão graves acusações fossem desmentidas. Qual quê? Até hoje... e o homem lá está, em magistratura de topo, ao lado. Não sei se a escuta judicial foi feita com critério, nem se o processo já estava fora do segredo de justiça quando as conversas foram divulgadas, nem se a transcrição na imprensa poderia ser sindicada como violadora da privacidade. Sei que nunca foi desmentida. E que, graças à publicação, ficamos elucidados sobre o carácter do político e seus ocultos concluios. E de quem lhos apara. O jornalismo, neste caso, cumpriu a sua função.