quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sahara Ocidental - lembrança de Timor Leste


19 mortos, mais de 720 feridos e mais de 150 desaparecidos - é, segundo as agências noticiosas, o resultado do mais recente brutal ataque das forças marroquinas para desmantelar o acampamento de protesto Gadaym Izik, montado há um mês na capital dos territórios ocupados do Sahara Ocidental como forma de protesto por parte dos saharauis contra as suas condições de vida.
Para além de uma campanha massiva de detenções, há relatos de que na capital El Aaiún estarão a aparecer pelas ruas corpos degolados e cadáveres baleados (incluindo de crianças) - um método bárbaro para espalhar o terror.
Este ataque é facada nas negociações sobre a disputa territorial, que estavam em curso, sob a égide da ONU, em Manhasset (NY).
Tudo lembra Timor Leste nos tempos mais duros dos anos 80 e 90: conversações em curso e ataques contra a população, frustando as negociações. E europeus hipocritamente distraídos e silenciosos...
A Espanha devia ser advogada da antiga colónia que abandonou (como Portugal fez relativamente a Timor Leste, assinalou em Lisboa a activista saharaui Aminetou Haidar). Mas não é: põe cara condoída e espera que passe a onda, para não comprometer os negócios e outras relações com Marrocos. Diz a imprensa espanhola que Madrid foi avisada do ataque... Da negligência à cumplicidade, é um pulinho.
Em França, que tem particulares responsabilidades no respaldo político e no incentivo a Marrocos para que prossiga a ocupação, parece que se ouviu hoje a voz da má consciência do MNE Kouchner, porventura incomodado com a brutalidade marroquina. Mas da Sarkofrance só há a esperar que continue a fazer de Austrália relativamente ao Sahara (como Camberra, Paris só pulará para o comboio de qualquer entendimento quando ele já tiver partido da estação...)
E da Europa, desta Europa desnorteada, desmemoriada e de rasteira liderança? Faz de UE, pois claro: até ao ano passado Solana lavava as mãos do Sahara, invocando que o problema estava entregue à ONU; Ferrero-Waldner, candidamente, explicava que a UE estava bloqueada pela divisão entre Estados Membros - França, Espanha e mais uns poucos irredutíveis no apoio a Marrocos. O Tratado de Lisboa não fez ainda diferença nenhuma para a Europa se projectar no plano externo: ao mais alto nível da diplomacia europeia,a Alta Representante Catherine Ashton está conspicuamente muda e queda: nem sequer a mera declaração da praxe.
E de Portugal, o que dizer? Nem sequer faz de Vanuatu (que apoiava Timor dentro das suas possibilidades). Relativamente ao Sahara hoje escondemo-nos por detrás do silêncio da UE, fazendo jogo duplo com Marrocos e a Argélia. Os saharauis que não macem, pensará quem ainda pensar no andar ministerial nas Necessidades... Já esquecemos tudo o que aprendemos com Timor Leste. Solidariedade virou palavrão. Voltamos à "real politik" merceeira - decência e vistas largas são coisas de que já cá não gastamos. Para quem, como eu, continua socialista, custa ver abastardar assim a herança PS. Porque foi sobretudo a governação PS que, nos momentos-chave, fez a diferença por Timor Leste.