Eu, incorrigível optimista, quis dar-lhe o benefício da dúvida. E por isso escrevi o que que escrevi no Parlamento Global (ver post anterior).
Quis acreditar que o personagem podia ultrapassar fraquezas, ressentimentos, falhas, faltas, próprias e alheias.
Que podia superar-se, pondo os pés bem na terra, mas passando por cima e olhando para a frente, procurando fomentar consensos nacionais, inspirar sentimentos patrióticos em todos os quadrantes, mesmo os que nele pouco confiavam.
Afinal o momento é de grave crise - económica, social e de confiança, de auto-confiança nacional e europeia.
De um Presidente da República espera-se que nos fale verdade, nos aponte horizontes, nos levante o moral, nos incite ao esforço colectivo e patriótico. Por todos, pela Nação, por Portugal.
Há uma tentativa de tudo isso fazer no discurso da posse deste segundo mandato do Presidente Cavaco Silva. Mas a tentativa sai desastrosamente fracassada por duas principais razões:
- Cavaco Silva pintou uma versão distorcida da realidade - ignorou a crise financeira e económica internacional e a crise de liderança europeia que explicam muito (sem explicar tudo) da crise económica e social com que nos confrontamos em Portugal.
- Cavaco Silva abdicou de nos unir, de nos federar - fez, de facto, um discurso de incitamento ao confronto partidário e geracional. Fez uma declaração de guerra ao actual Governo. O que seria defensável se tivesse outro melhor e com mais legitimidade, na manga, para rapidamente pôr em seu lugar. Mas não tem.
E ao fazer o que fez e dizer o que disse, precipita a imagem internacional do país perante os para si sacrossantos "mercados internacionais", que recusa possam ser regulados e disciplinados (e por isso nada fez e nada faz nesse sentido, no plano europeu).
Num momento particularmente critíco para a imagem internacional do país e para a forma como ela se reflecte nas capacidades de financiamento público e privado.
Num momento em que a intervenção do Presidente da República poderia ajudar - mas esta desajuda.
O Presidente Cavaco Silva pretenderá que se forme a percepção interna e externa de que está a desembrulhar uma crise política, de que tem uma alternativa de governo estável. Mas não tem.
Poderemos pagá-lo todos muito caro, Estado e cidadãos. Literalmente. E não dá consolação nenhuma atulhar Belém com as facturas.
Com este discurso o Prof. Cavaco Silva demonstrou dimensão para se distinguir como Presidente do Ressentimento.
Cavaco II, parece-me, prenuncia pesados estragos para Portugal. Bem quero eu estar enganada!