quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Jornalismo de sarjeta

1. Sem me querer pronunciar sobre o caso concreto Sócrates v Correio da Manhã, cujos contornos exatos desconheço, não me parecem porém fundadas as acusações absolutas de "atentado à liberdade de imprensa" e de "inconstitucionalidade" contra a aplicação das normas legais (nomeadamente o art. 70º do Código Civil e os arts. 878º e segts do CPC) que permitem aos tribunais, a título cautelar e a pedido dos interessados, impedir a publicação de escritos (em jornais ou livros) gravemente atentatórios da honra ou do bom nome e reputação ou da privacidade de alguém, nomeadamente de escutas telefónicas sob segredo de justiça.

2. É fácil mostrar porquê:
Primeiro, tal como todas as demais liberdades, a liberdade de imprensa não é absoluta, podendo ter de ceder em caso de colisão com outros direitos fundamentais ou outros valores constitucionalmente protegidos, como são os direitos de personalidade e o segredo de justiça (e outros, como o direito de resposta).
Segundo, os direitos e liberdades pessoais impõem-se diretamente tanto ao Estado como aos particulares, incluindo portanto os jornais;
Terceiro, a própria Constituição (art. 20º-5) obriga ao estabelecimento de instrumentos judiciais especiais, "céleres e prioritários", para a proteção dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o que testemunha a primazia da defesa destes quando em colisão com os demais (incluindo a liberdade de imprensa); de resto, outros direitos, como o direito de propriedade, podem ser defendidos por medidas cautelares judiciais.
Por último, a liberdade de imprensa mede-se mais pela liberdade de informação e de opinião política e ideológica do que pela liberdade do "jornalismo de sarjeta" de lesar arbitrariamente os direitos de personalidade alheios.

Adenda
A expressão que serve de título a este post deve-se ao antigo presidente da comissão deontológica do Sindicato dos Jornalistas, Óscar Mascarenhas. O seu a seu dono.