1. Continuo a não me sentir cativado pela retórica dos "consensos de regime", em que Cavaco Silva insistiu ingloriamente, hoje retomada (embora sem usar o nome) pelo novo Presidente da República no discurso comemorativo do 25 de Abril.
Antes de mais, num regime democrático o natural é haver visões e projetos políticos diferentes acerca dos principais temas políticos entre os partidos candidatos ao governo do País, como aliás mostra a comparação entre o anterior governo de coligação à direita e o atual governo de quase-coligação à esquerda. É da divergência, e não do consenso, que se alimenta a mudança política e a alternância democrática.
2. Por outro lado, as divergências quanto às políticas governamentais não são elegíveis para consenso nas áreas onde constitucionalmente a liberdade política dos governos não existe ou é limitada, sem esquecer as matérias relevantíssimas que são da competência da UE (política monetária, estabilidade orçamental, mercado interno, política económica externa, etc.).
Acresce que há as áreas de primeira importância política em que se foi estabelecendo espontaneamente um consenso político entre os partidos de governo, nomeadamente entre o PS e o PSD, sem necessidade de nenhum compromisso expresso, como é o caso da política externa e da política de defesa.
A verdade é que não faltam consensos políticos, forçados ou espontâneos.
3. As únicas áreas em que se impõem compromissos negociados para fazer mudanças e superar vetos políticos são aquelas que necessitam de uma maioria de 2/3, como é o caso da revisão constitucional e das matérias cuja legislação está sujeita a tal maioria (como, por exemplo, o sistema eleitoral). Mas a história destes quarenta anos de democracia constitucional mostra que o voluntarismo político, ainda quando acarinhado por Belém, tem pouco serventia no caminho para consensos nessas matérias.
É evidente que não existem neste momento as necessárias condições objetivas e subjetivas para nenhum consenso político de fundo. Quando elas estiverem reunidas, os consensos surgirão naturalmente...