sábado, 10 de setembro de 2016

Um pouco mais de prudência, sff

Em entrevista a uma televisão, o "superjuiz" Carlos Alexandre declarou que "sofremos [os juízes] cortes no ordenado ao longo dos últimos quase dez anos e atingiram severamente mais as magistraturas do que outros" e que "os primeiros cortes ocorreram logo no governo do senhor engenheiro José Sócrates".
Trata-se de uma declaração surpreendente na boca de um juiz.
Primeiro, não é verdadeira a primeira observação, o que não fica bem a um juiz. De facto, não houve nenhuma discriminação profissional nos cortes de remunerações (salvo no facto de até terem começado por atingir somente os membros do Governo e gabinetes ministeriais). E é de elementar justiça que os cortes tenham pesado relativamente mais nos cargos mais bem remunerados, onde se contam os juízes (mesmo descontando o subsídio geral de alojamento, que ninguém mais tem. sem estar sujeito a imposto, mas que conta para a pensão dos juízes jubilados...).
Segundo, a explícita imputação dos cortes ao Governo Sócrates é assaz infeliz, pois tendo o juiz em causa a seu cargo o processo e a eventual acusação de José Sócrates, a mais elementar prudência mandava guardar silêncio sobre alguma razão de queixa pessoal ou corporativa contra o arguido. O ressentimento pessoal ou corporativo não favorece a imparcialidade judicial.

Adenda
O mais grave da entrevista consiste, porém, na evidência de que, como juiz de instrução, ele não se vê sobretudo como garante dos direitos e garantias das pessoas investigadas ou acusadas em processo penal, mas sim como braço da acusação e da ação penal, que constitucionalmente compete ao Ministério Público. Lamentável!

Adenda 2
Ao sublinhar, a despropósito, que "não tem contas em nome de amigos", o entrevistado não podia ser mais claro na revelação de que para ele tal é o que sucede no caso de Sócrates. É evidente que ele pode ter essa convicção, eventualmente baseado em provas concludentes. Mas se tal é o caso, deve exigir a acusação sem mais demora, pelos meios próprios, em vez de anunciar a decisão numa entrevista, o que constitui uma manifesto abuso de poder e violação qualificada das regras do due process penal. Inaceitável!

Adenda 3
Surpreendentemente, o entrevistado revelou ter a convicção de ter o telefone sob escuta. Mas não se entende porque é que não requer uma verificação pelos serviços oficiais qualificados ou não pede um aparelho "blindado" contra interferências eletrónicas. De qualquer modo, feita a revelação pública de factos que constituem crime, só lhe resta resta pedir a abertura de um processo de investigação para apuramento de responsabilidade, sob pena de leviandade e irresponsabilidade do entrevistado. Inacreditável!

Adenda 4
Tenho uma interpretação malévola para esta insólita entrevista, que em vez de ser "desastrada", como alguns consideraram, tem o propósito deliberado de provocar o seu próprio afastamento do processo Sócrates, por a acusação continuar "às aranhas" e ele não querer assumir a responsabilidade pessoal pelo fracasso.