1. Não consigo deixar de me espantar ao ouvir pessoas instruídas e com formação académica, incluindo professores universitários, falarem de modo linguisticamente descuidado em público - em conferências, no parlamento, na rádio e na televisão -, usando e abusando das simplificações e corrupções fonéticas e sintáticas próprias de conversa casual e da linguagem popular.
Há dias, numa conversa radiofónica, uma investigadora universitária usava recorrentemente "tá" em vez de "está", "pâ" em vez de "para", "tamém" em vez de "também", "mêmo" em vez de "mesmo", "qué d'zer" em vez de "quer dizer", "corenta" em vez de "quarenta", "haviam" em vez de "havia", etc., etc. Se a isto acrescentarmos a horrível palatalização da pronúncia típica de Lisboa (como, por exemplo, "chéto" em vez de "exceto" e "chêrto" em vez de "excerto", "d'chiplina" em vez de "disciplina"), temos um quadro aproximado do perigo que ameaça o Português europeu.
Infelizmente, não se trata de casos isolados e a verdade é que já há pessoas a escreverem assim, tal como ouvem e dizem!
2. O abandono do ensino da norma erudita da Língua nas escolas e a falta de formação de locutores de rádio de televisão no bom uso do Português só podiam dar este resultado.
Na generalidade das línguas há uma distinção clara entre o registo culto e o registo popular, sendo a norma erudita obrigatória no discurso formal e na comunicação no espaço público. Entre nós, manifestamente, está a deixar de ser assim. Quando políticos e académicos falam publicamente como o homem da rua, num registo informal ou mesmo vulgar, convém perder toda a esperança numa reversão dos estragos feitos pela confusão dos diferentes níveis de linguagem. A língua culta está em vias de se limitar a uma pequena e exótica tribo de falantes.
Adenda
Perante estes atropelos gritantes à norma culta da língua falada, há quem continue a "arrancar cabelos" contra a modesta reforma ortográfica de 1990. Em que mundo vivem!? Como disse noutra ocasião, o nosso problema não é a ortografia, é a ortofonia...