1. É de questionar a legalidade deste pretenso regulamento da Ordem dos Médicos sobre o regime de trabalho do internato médico, que na verdade é uma revisão do "regulamento" já existente, contendo "orientações" (sic) sobre a matéria. São várias as razões da sua ilegitimidade.
Primeiro, não se vê qual pode ser o fundamento legal deste regulamento nos Estatutos da Ordem ou noutra lei, sendo certo que o tal regulamento não indica essa base legal (o que o torna à partida inválido) e que a regulamentação do internato compete legalmente ao Governo. Segundo, a missão da Ordem diz respeito somente ao acesso à profissão e à prática médica, não às relações profissionais nem à organização do trabalho nos hospitais ou clínicas; isso é matéria do foro sindical, que está constitucionalmente vedada às ordens profissionais. Terceiro, parece óbvio que a autoridade e o poder disciplinar sobre os diretores clínicos quanto à organização das urgências pertencem à direção institucional dos hospitais e não às ordens profissionais, por não terem a ver com o exercício da profissão médica. Por último, a lei-quadro das ordens profissionais diz expressamente que os seus regulamentos sobre «os estágios profissionais, as provas profissionais de acesso à profissão e as especialidades profissionais só produzem efeitos após homologação da respetiva tutela, que se considera dada se não houver decisão em contrário nos 90 dias seguintes ao da sua receção».
Por tudo isto, parece óbvio que o referido "regulamento" da OM incorreria em vício de incompetência absoluta, não podendo por isso ser posto em prática, mesmo que as tais "orientações" pudessem ser tidas como verdadeiras normas.
2. Extinguiu-se há muito o regime corporativo do Estado Novo, em que as ordens tinham a natureza híbrida de (i) organismos de regulação e supervisão do acesso e do exercício da profissão e de (ii) organismos sindicais de defesa de interesses profissionais nas relações de trabalho. Quarenta anos depois da CRP de 1976, convém não reverter essa antiga mudança.
Às ordens cabe exclusivamente a regulação /supervisão da formação e da prática profissional; aos sindicatos, a defesa dos interesses do médicos nas relações de trabalho. As ordens não são sindicatos nem podem atuar às ordens ou a instância dos sindicatos, nem como "braço legislativo" dos mesmos, o que seria um manifesto "desvio de poder" (como parece ser o caso, à vista deste comunicado conjunto).