segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Antologia da falsificação política


1. A propósito do acordo de comércio e investimento entre a UE e o Canadá (CETA), que vai ser sujeito em breve a aprovação tanto no Parlamento Europeu como na AR (como já aqui se referiu), uma deputada do BE escreveu o seguinte sobre o tribunal para os litígios de investimento estrangeiro (ICS -Investment Court System) previsto naquele acordo:
«Mas o ICS institucionaliza uma ideia absolutamente perversa: a ideia de que as empresas e investidores têm poder para processar Estados por interferirem nos seus lucros através do seu legítimo direito de legislar, criando um tribunal arbitral, privado, sem garantias de independência ou isenção, e retirando possibilidade de recurso pelos Estados.»
Ora, tudo isto é pura invencionice de quem nada sabe sobre o que escreve. Como se pode ver aqui, não se trata de um tribunal arbitral nem privado, mas sim de um verdadeiro e próprio tribunal oficial internacional que goza de garantias de independência, havendo também direito de recurso para um instância superior. A autora teve obviamente em mente o sistema tradicional da arbitragem internacional de litígios de investimento (conhecido pela silga ISDS), que foi abandonado no CETA e substituído pelo novo ICS (apresentado há quase dois anos no Parlamento Europeu pela Comissão Europeia, na imagem)
De acordo com as regras do Estado de direito, todos têm direito a indemnização pelos danos causados por atos do Estado, se ilícitos. Ora, quando se trata de violação de direitos estabelecidos por acordo internacional é lógico que a competência caiba a tribunais internacionais e não aos tribunais nacionais. Mas o regime da responsabilidade do Estado é essencialmente idêntico.

2. É evidente que, mude o que mudar nos acordos internacionais de comércio e investimento da UE, a extrema-esquerda é sempre contra, por princípio, por se tratar da odiada globalização económica e do execrado capitalismo internacional.
O grupo parlamentar da Esquerda Unida Europeia (GUE), que inclui o PCP e o BE, tem votado sistematicamente contra os acordos internacionais de comércio da UE no Parlamento Europeu, tendo muitas vezes a companhia da extrema-direita nacionalista, que compartilha dos mesmos valores protecionistas e anti-liberdade do comércio internacional.
Como é fácil antever, tanto o BE como o PCP vão votar contra o CETA na Assembleia da República. E provavelmente vão repetir mais uma as invencionices acima referidas. Quando a verdade não convém, os dogmas ideológicos preferem "factos alternativos".