domingo, 12 de fevereiro de 2017

Antologia do despeito


1. Perguntado sobre José Saramago, o escritor António Lobo Antunes declarou ao suplemento do Expresso de ontem (indisponível on line) o seguinte:
«[Saramago] achava-se mesmo um grande escritor. Eu sempre achei aquilo [sic] uma merda [re-sic]».
Temos de ler duas vezes para confirmar que é isso o que está escrito!
É evidente que, como acontece em todos os ofícios, os escritores não têm de gostar uns dos outros nem de ser hipócritas na opinião que tenham sobre os outros. Mas quando se permitem emitir juízos públicos acerca de outros escritores, nada justifica a incontinência verbal, sobretudo quando ela corre o risco de revelar um imenso despeito.
O fígado não é o órgão indicado para julgar quem não apreciamos.

2. A opinião dos pares não constitui o melhor critério da avaliação dos escritores. Para isso há o público, a crítica, a academia e o teste do tempo após o seu desaparecimento. Mesmo sem o Nobel, Saramago passou todos os testes por que passam os grandes escritores.
Lobo Antunes está no seu pleno direito de discordar. Mas não lhe fica bem fazê-lo nos termos em que o fez, sobretudo quando o visado já cá não está para ripostar (e aposto que não usaria linguagem de sarjeta). Lobo Antunes nem precisava de nobreza nem de decência para evitar o insulto soez; bastava o respeito por si próprio. É de admitir que nem todos os demais escritores tenham a sua obra na alta conta literária em que ele próprio a tem...
Um pouco de contenção na apreciação dos concorrentes não faz mal a nenhum escritor. Há sempre o risco do ricochete.