sexta-feira, 3 de março de 2017

Quando as previsões orçamentais falham


Não me parece justificada a censura política ao alegado "falhanço" das previsões do Conselho das Finanças Públicas relativas ao défice orçamental do ano passado.
Por várias razões:
  - primeiro, o desvio em relação ao défice efetivo final respeita às previsões da primeira metade do ano, com base nos dados do 1º e do 2º trimestres (em que o CFP previa um défice de 2,7% e 2,8%, respetivamente), tendo sido corrigido depois; no relatório relativo ao 3º trimestre já se admitia o alcance da meta orçamental (entretanto corrigida para 2,4%);
  - segundo, o CFP não errou mais nas suas previsões do que outras instituições nacionais e internacionais (incluindo a Comissão Europeia e o FMI), o que quer dizer que usou as metodologias comuns para o efeito;
  - terceiro, as previsões são feitas sempre na base da situação existente na altura em que ocorrem e sob condição de "políticas invariantes"; ora, por um lado, ninguém podia prever, por exemplo, a aceleração da atividade económica na segunda metade do ano, que facilitou a execução orçamental (mais receita tributária, menos despesa social), nem o excedente da segurança social (principal responsável pela redução do défice global), nem a dimensão do corte na despesa de investimento público, nem muito menos o perdão fiscal no final do ano;
  - por último, o próprio Governo se enganou nas suas previsões, pois ainda no relatório do orçamento para 2017 inscreveu um défice de 2,4% para 2016, bem acima do que depois se verificou.
Em matéria de previsões erradas, haja quem atire a primeira pedra. E não vejo nenhuma vantagem em o poder político desacreditar sem fundamento as instituições públicas de escrutínio orçamental independente.

Adenda
Houve quem aproveitasse para tentar desacreditar pessoalmente a presidente da CFP, Teodora Cardoso. Tendo trabalhado com ela num grupo de trabalho oficial, devo dizer que me impressionou pela sua competência, probidade, seriedade e isenção. Subscrevo inteiramente o que a este respeito escreveu Nicolau Santos.

Adenda 2
Explorando uma deslocada referência de Teodora Cardoso a um possível "milagre" no défice orçamental do ano passado, um deputado do PCP, mais papista do que o papa na defesa do Governo, veio considerar ser um milagre que Teodora Cardoso ainda tenha emprego e salário. É uma advertência coerente, pois na futura "democracia popular" que o PCP defende não haveria obviamente entidades independentes de escrutínio orçamental e quem ousasse discordar da pauta do poder teria como destino imediato a porta da rua. De facto, há alianças que comprometem...

Adenda 3
Continua por conhecer a redução do défice estrutural em 2016, o que é importante para confirmar o pleno cumprimento das metas orçamentais e a consistência da redução do défice nominal.