1. Sempre me surpreendeu a incapacidade dos governos de esquerda na América Latina, como o Brasil, o Chile, etc., de levarem por diante a despenalização do aborto, mantendo uma criminalização geral, salvo, em alguns países, nas situações de violação ou de perigo para a vida ou saúde da grávida.
A atávica oposição da Igreja Católica não chega para explicar a situação, como revelou o caso de países tão católicos como Portugal, Espanha e Itália, ou até a Polónia. Só a Irlanda e Malta constituem uma exceção na Europa, continuando o aborto a ser crime salvo, no caso irlandês, quando necessário para salvar a vida da grávida. De resto, na própria América Latina, a cidade do México e o Uruguai (além de Cuba, naturalmente) também conseguiram derrubar o muro da resistência conservadora.
2. Entre os países em que a criminalização do aborto não tinha exceções contava-se o Chile, desde a ditadura de Pinochet. Por isso deve saudar-se a despenalização do aborto agora decidida no Chile, embora limitado às três situações típicas de violação, malformação do feto ou perigo para vida da grávida. Mas foi preciso esperar 27 anos desde a democratização do país para conseguir essa limitada vitória sobre o obscurantismo.
Infelizmente, noutros países como o Brasil, os governos do PT nem sequer colocaram a questão da despenalização do aborto na agenda legislativa e nada indica que as coisas possam mudar na nova conjuntura política resultante do afastamento do PT do Governo de Brasília.