1. Tão importante como a democracia em si mesma é a sua qualidade.
Hoje em dia as democracias liberais distinguem-se, entre outros fatores, pela transparência no exercício da função política e pelas medidas adotadas para prevenir os conflitos de interesses e a corrupção, o que influencia enormemente a credibilidade e a confiança que as instituições inspiram nos cidadãos.
Por isso, só peca por por tardia a aprovação do conjunto de iniciativas legislativas sobre o assunto em curso na Assembleia da República e que estão na agenda das jornadas parlamentares do PS que hoje decorrem em Coimbra.
2. A regulação da atividade de representação e defesa de interesses junto dos decisores políticos (conhecido vulgarmente por lobbying) constitui um instrumento fundamental de transparência e de integridade da atividade política, devendo abranger todos os níveis de poder e todos os decisores, desde os legisladores aos dirigentes dos institutos e agências públicos, passando obviamente pelo Governo.
Alem do registo oficial dos profissionais dessa atividade, a regulação deve incluir o registo público de todas as suas interações com todos os decisores políticos. Pretender excluir os deputados dessa obrigação de registo e de reporte, como alguns pretendem, é um contrassenso. Além do mais, estabelecer exceções injustificáveis ao cumprimento de obrigações públicas em beneficio próprio é muito feio.
3. As incompatibilidades são o meio institucional de prevenção de conflitos de interesse, impedindo a contaminação da função política pelos interesses privados dos decisores públicos. Por isso, devem abranger todas as situações susceptíveis de inquinar a confiança pública na dedicação exclusiva à causa pública.
No caso dos advogados, cuja incompatibilidade com a função parlamentar há muito defendo, há outro motivo para a justificar, que é a separação de poderes. Os advogados participam na função judicial de aplicação das leis (tal como prevê, aliás, a Constituição) e podem ter obviamente interesse em alterar ou manter legislação em função dos interesses do seus clientes. Ficou célebre a história de deputados que alegadamente promoveram e defenderam a aprovação de amnistias para beneficiar clientes seus.
Ora, como demonstraram os pais fundadores da teoria da separação de poderes (de Locke a Montesquieu), é essencial que quem faz as leis não participe na sua execução, e vice-versa. Os advogados-deputados infringem claramente essa regra essencial da teoria constitucional.
4. Nunca defendi a exclusividade ou a profissionalização integral da função parlamentar, por a considerar excessiva (embora sempre tenha estado em dedicação exclusiva no meus vários mandatos parlamentares). Mas entendo que hoje em dia os parlamentos ganham em qualidade e capacidade de desempenho, se tiverem o maior número possível de deputados em dedicação exclusiva, dada a enorme exigência da função parlamentar na atualidade.
Por isso, penso que deveria haver uma clara distinção remuneratória entre a dedicação exclusiva e o tempo parcial (o qual, aliás, só beneficia quem exerce outra atividade em Lisboa ou nos arredores). O atual diferencial de 10% é puramente ridículo; deveria ser de pelo menos o triplo, premiando a dedicação exclusiva e dissuadindo o tempo parcial.