quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Ai a dívida (15): Acrescentar dívida à dívida

1. É óbvio que, apesar do título enganador desta notícia, a dívida pública não "afundou" em 2017, antes aumentou em cerca de 1700 milhões de euros.
E mesmo considerando a sua percentagem no PIB, que é o que a notícia quer referir, o resultado não é de molde a festejar. De facto, a nova percentagem de 126,2%, embora melhor do que a modesta meta inicialmente estabelecida no orçamento de 2017 - que em devido tempo qualifiquei como pouco ambiciosa -, não se pode considerar um êxito, visto que aquela meta foi estabelecida para uma previsão de crescimento do PIB bem inferior ao que se veio a verificar (2,7%), o que quer dizer que este maior crescimento não se refletiu inteiramente, como seria de esperar, numa melhoria correspondente do rácio da dívida, tendo sido aproveitado, ao invés, para aumentar o endividamento inicialmente previsto!

2. Estando a economia num pico de crescimento sem paralelo há muitos anos - o que se traduz em substancial aumento da receita pública e em redução da despesa pública com encargos sociais (subsídio de desemprego e outros) -, não se compreende que se mantenha um significativo défice orçamental, que implica um aumento continuado do já elevadíssimo stock da dívida pública.
A meta deveria ser, pelo menos, congelar o atual montante da dívida, em vez de acrescentar mais dívida à montanha da dívida. Se com a economia a crescer 2,7% não conseguimos uma situação orçamental equilibrada (e um "défice estrutural" compatível com as regras da UE) e de nulo endividamento adicional, quando é que vamos consegui-lo?

3. Sendo de admitir que o ritmo do crescimento económico pode vir a abrandar já no corrente ano, como indicam todas as estimativas, e que a taxa de juro pode vir a aumentar dentro em breve, como preveem todos os observadores, Portugal continua sem se preparar adequadamente para enfrentar sem receios condições económicas e financeiras menos bonançosas do que as atuais.
A atual conjunção astral favorável - robusta retoma económica da zona euro e da economia global, pródiga política monetária do BCE, etc. - não vai durar indefinidamente. É quando faz sol que se reparam os telhados. E os nossos telhados financeiros continuam longe de estar à prova de novas tempestades...

Adenda
Como mostra este artigo, a redução do peso da dívida pública no PIB, que se iniciou apenas em 2015, para recair no ano seguinte e retomar em 2017, foi mais tardia e menos intensa do que a redução da dívida privada (dos particulares e das empresas), que começou ainda em 2013, ano de início da retoma económica, e que tem decaído a bom ritmo, embora com alguma travagem no ano passado. Este défice de redução do peso da dívida pública tem, portanto, impedido uma mais rápida "desalavancagem" do conjunto da economia, o que se impunha, tendo em conta o elevado crescimento económico que se verifica.