1. O PSD e o PS acordaram em impor uma "contribuição regulatória" às plataformas digitais, tipo Uber, que procedem à intermediação de serviços de transporte entre os utentes e os operadores de transporte a elas associados. Foi abandonada a designação de "taxa", inicialmente proposta pelo PSD, e foi revisto o seu regime, que aqui critiquei oportunamente, incluindo quanto ao montante de tal contribuição.
A figura da "contribuição regulatória" - que importa distinguir das taxas propriamente ditas -, está expressamente prevista na Lei-quadro das autoridades reguladoras, de 2013, e foi criada em benefício de várias autoridades reguladoras, estando também prevista nos Estatutos da Autoridade para a Mobilidade e os Transportes (AMT), de 2014, que, porém, remetem a sua instituição para legislação própria, até agora não emitida (salvo erro).
A independência das autoridades reguladoras supõe a sua autossuficência financeira, sem dependerem do orçamento do Estado, sendo justo que sejam financiadas pelos agentes regulados (princípio do "regulado-pagador". Tal vale também para a regulação dos transportes.
2. Todavia, tal como vem descrita, a nova contribuição sobre as referidas plataformas digitais na área dos transportes - assumindo que se trata de operadores de transportes, o que é tudo menos incontroverso - coloca três problemas:
- deveria ter como beneficiária apenas a autoridade reguladora dos transportes (a AMT) e não outras entidades públicas que nada têm a ver com tal contribuição, sob pena de esta passar a ser um imposto;
- deveria aplicar-se igualmente às plataformas eletrónicas afins que hoje já existem para outras modalidades de transporte, incluindo os táxis, sob pena de manifesta violação do princípio da igualdade;
- pela mesma razão, deveria aplicar-se a todos os operadores de transporte sujeitos à jurisdição da respetiva autoridade reguladora, no âmbito da legislação sobre a referida "Contribuição da Mobilidade e Transportes", não havendo nenhuma justificação para criar avulsamente uma contribuição específica para uma categoria limitada de empresas, que operam numa submodalidade de transporte em automóveis com condutor, que, aliás, não causam nenhuma sobrecarga regulatória, pelo contrário.
Além de coerência tributária, o "Estado de direito tributário" supõe respeito pela igualdade na repartição dos encargos públicos.
Adenda
Como declaração de interesses, convém informar que prestei serviços de consultoria jurídico-constitucional à Uber, tendo autorizado a empresa a divulgar o meu "parecer" (como, aliás, sempre faço).