1. Na sua corajosa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, o antigo Procurador-Geral da República, Consº Pinto Monteiro, traça um quadro preocupante da "captura" do governo do Ministério Público pelo respetivo sindicato profissional, através do Conselho Superior, em aliança com os representantes partidários a ele afetos, designados pela AR, daí resultando um enorme constrangimento da capacidade de ação do PGR, apesar de este ser nomeado pelo PR sob proposta do Governo e dispor, portanto, de uma elevada legitimidade democrática.
Ora, a Constituição não define nem a composição concreta do Conselho Superior, nem os seus poderes, aspetos que ficaram em aberto para definição legislativa, pelo que nada obriga a manter o status quo institucional. Nada na principiologia do Estado de direito constitucional requer o autogoverno, de direito ou de facto, do Ministério Público. Infelizmente, a mesma relação de forças político-sindicais que proporcionou a atual solução legislativa tem também impedido a sua revisão no sentido da redução da autogestão corporativa do Ministério Público, aliás reforçada pela entrega do cargo de PGR a membros da respetiva magistratura.
2. Não alinhei no aplauso generalizado do recente "Pacto da Justiça", acordado entre as profissões da justiça, onde vejo mais a expressão de um compromisso eclético entre os diversos interesses sectoriais do que uma visão coerente de uma sistema judicial ao serviço do interesse geral, que o Estado representa, e dos cidadãos, que são os seus destinatários, como utentes, e seus financiadores, como contribuintes. Um e outros estiveram ausentes do procedimento que conduziu ao tal Pacto.
Penso, de resto, que uma das linhas centrais de uma reforma da justiça digna desse nome deveria consistir justamente da sua "descorporativização". Os sindicatos profissionais servem para defender os respetivos interesses particulares de grupo, não para governar as instituições em função deles, sacrificando o interesse público.
O maior risco para a independência da justiça consiste justamente na instrumentalização sindical das suas instituições de governo. A autogestão sindical não constitui a resposta apropriada para evitar a governamentalização da justiça.