1. Discordo desta ousada tese de Boaventura Sousa Santos, no seu artigo no Jornal de Letras (texto não disponível on-line), sobre a titularidade de direitos humanos por entidades naturais (rios, montanhas, etc.), mesmo quando excecionalmente dotadas legalmente de personalidade jurídica e de órgãos de gestão próprios, como sucede com o Rio Whanganui na Nova Zelândia (na imagem), considerado sagrado pela comunidade indígena local.
Antes de mais, a referida lei neozelandesa (texto AQUI) não fala em "direitos humanos" do próprio rio, nem permite tal interpretação. Em segundo lugar, a personalidade jurídica coletiva não implica em geral a titularidade de direitos humanos (como sucede com as sociedades comerciais ou as fundações); nem todos os direitos legais são "direitos humanos". Por último, não se torna necessário conferir direitos "humanos" a essas entidades naturais para as proteger juridicamente, bastando reconhecer aos seus habitantes e seus "compartes" o direito à sua defesa e preservação. A personalidade jurídica não passa de instrumento para defesa dos direitos da coletividade e dos seus membros.
2. Por origem história e por definição, os direitos humanos têm a ver com a vida, dignidade, a liberdade e a felicidade das pessoas, como seres humanos, seja a título individual seja coletivo. Isto vale tanto para os clássicos direitos de liberdade como para os direitos sociais ou para os direitos de "terceira geração", incluindo o direito ao ambiente.
Uma conceção "pós-humana" ou trans-humana de direitos humanos corre o risco evidente de descaraterização e de diluição da própria noção de direitos humanos. A sua expansão para lá da esfera humana em sentido próprio não contribui para reforçar a sua proteção, antes pode enfraquecê-la.
Nos 70 anos da histórica Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), os problemas atuais dos direitos humanos (racismo, xenofobia, perseguição étnica e religiosa, fome e doenças, etc.) não passam seguramente pelos supostos "direitos humanos" de rios e de montanhas...