1. Na sua recente entrevista ao diário espanhol El País, Marcelo Rebelo de Sousa, quando perguntado sobre o seu poder de suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis, respondeu que nunca o exerceu, acrescentando que prefere o veto político e que "não é bom transformar o Tribunal Constitucional em árbitro político à força entre o Governo e a oposição".
É evidente que o referido poder é uma faculdade, que o Presidente exerce quando entenda justificado, não devendo ser exercido de forma leviana ou caprichosa, muito menos como sucedâneo do veto político. Mas a fiscalização preventiva tem uma função constitucional importante, que é a de impedir a entrada em vigor de leis inconstitucionais, principalmente quando os seus efeitos sejam depois de difícil reversão, se a lei vier a ser declarada inconstitucional em fiscalização sucessiva.
Por isso, não faz muito sentido uma renúncia, por princípio, ao exercício desse poder.
2. Pelo contrário, pode haver casos em que se impõe, política e constitucionalmente, o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Ainda recentemente o PR promulgou expeditamente a lei da AR que determinou a realização de um concurso extraordinário alargado de professores, aprovada por uma oportunista coligação antigovernamental da extrema-esquerda com a direita (a "Geringonça" não impõe um dever de lealdade com o Governo...), e que suscita sérias dúvidas de constitucionalidade, por criar uma despesa pública adicional de vários milhões de euros logo no corrente ano, infringindo assim a regra constitucional de que os deputados não podem fazer propostas de lei ou de alteração que aumentem a despesa prevista na lei do orçamento em execução (CRP, art. 167º-2).
Na verdade, estando o País em exigente processo de consolidação orçamental, não se compreende que o PR deixe passar sem escrutínio de legitimidade constitucional uma lei de iniciativa parlamentar que aumenta substancialmente a despesa pública com pessoal, à revelia do Governo.
3. MRS justifica a sua abstenção do recurso à fiscalização preventiva da constitucionalidade com o argumento de evitar "transformar o TC em árbitro politico à força entre o Governo e a oposição".
O argumento não procede, porém. Primeiro, porque muitas vezes podem estar em causa leis aprovadas pela própria maioria governamental ou até por unanimidade, pelo que não existe nenhum litígio entre o Governo e a oposição. Segundo, na fiscalização de constitucionalidade, preventiva ou não, não se trata em primeira linha de dirimir conflitos políticos, mas sim de verificar se uma lei é ou não conforme à Constituição, independentemente de quem a aprovou ou rejeitou.