1. Ao longo deste 40 anos do sistema público de saúde não faltaram medidas legislativas e governativas que, em grande parte, explicam a atual acumulação de dificuldades no SNS e o crescimento do setor privado dos cuidados de saúde. Apesar dos inegáveis ganhos de saúde do país, o SNS está em crescente dificuldades para realizar satisfatoriamente os objetivos que presidiram à sua criação.
Não concordo, porém, em incluir entre essas medidas duas das enunciadas neste artigo de Manuel Alegre, a saber, as taxas moderadoras (de que, aliás, estão isentos metade dos utentes) e a gestão empresarial dos hospitais públicos (que visou aumentar a autonomia, a eficiência e a responsabilidade da gestão hospitalar do SNS, embora sem o conseguir em grande medida). De registar que, ao contrário de outros críticos mais doutrinários, Alegre não menciona as PPPs hospitlares entre essas medidas negativas.
2. Pelo meu lado, entre as medidas que geraram ou reforçaram as dificuldades do SNS, incluo as seguintes, que nunca deixei de criticar publicamente:
- a autorização sem limites da acumulação de funções no SNS e no setor privado, incluindo em situações de óbvio conflito de interesses, como sucede no caso de diretores de serviço;
- o frequente recrutamento político de gestores hospitalares do SNS, em prejuízo do critério de mérito e da competência, e a falta de responsabilização dos gestores pelos resultados da gestão e pelos frustrantes ganhos de eficência;
- a cedência durante muitos anos aos interesses da indústria do medicamento e a falta de protocolos relativos à utilização de medicamentos inovadores, de preços exorbitantes;
- o elevado nível de absentismo e a frequência de greves no SNS, quando comparados com o setor privado, e a atitude corporativista de quase todas as ordens profissionais da saúde;
- a falta de avaliação de desempenho dos profissonais e dos serviços, para efeitos de remuneração e de financiamento de uns e outros, respetivamente;
- a sobrecarga do SNS com pacientes hospitalizados que não têm alta por falta de cobertura da rede de cuidados continuados ou por falta de apoio familar domiciliário;
- o subfinancimento crónico, que causa a degradação dos serviços, fomenta a contratualização externa e aumenta os atrasos nos pagamentos, agravando os preços cobrados.
3. A redução do horário semanal de trabalho nos serviços públicos das 40 para as 35 horas afetou especialmente o SNS, quer em termos de operacionalidade dos serviços, quer em termos de despesa orçamental, dada a necessidade de recrutar mais pessoal. E a complacência oficial perante a recente "greve cirúrgica" dos enfermeiros, que afetou milhares de cirurgias - e que dificilmente seria tolerada noutros países -, mostra que o SNS continua refém de chantagem sindical como nenhum outro serviço público, tanto mais que o setor privado da saúde se vê poupado a semelhantes formas de paralização, o que ajuda à sua procura.
Nada disto ajuda o SNS a cumprir a sua missão constitucional.
[revisto]