1. No ano passado, o Bloco de Esquerda propôs a criação de tribunais especializados para os crimes de violência doméstica, o que, além de tipicamente demagógico, seria rotundamente inconstitucional. De facto, a Constituição não permite tribunais especializados em matéria penal - e com boas razões, como mostrei a outro propósito.
De resto, aberto um precedente, não se ficaria por aí: aposto que a próxima ideia neste filão seria uma proposta do PAN para os crimes de maus tratos a animais ou dos Verdes para os crimes ambientais. A própria OCDE não resistiu à ideia de tribunais especializados para os crimes de corrupção...
2. A questão da relativa impunidade desses crimes, como de outros, reside sobretudo a montante - nomeadamente na falta de denúncia, no seguimento tardio destas e na sua deficiente instrução - e não na falta de tribunais especializados (nem de penas aplicáveis mais elevadas), que aliás levariam seguramente à concentração territorial da competênca judicial em dois ou três tribunais.
Problemas complexos raramente têm respostas simples; e estas são quase sempre falsas respostas.
3. O que é estranho é que o próprio Governo tenha vindo agora a namorar a ideia, mandando estudar a possibilidade de tribunais de família de competência mista, cível e penal, como se essa mistela judicial pudesse iludir a manifesta inconstitucionalidade. Há contaminações bem escusadas.
Se há matérias em que governos prudentes têm de resistir ao impulsos emocionais e às vagas demagógicas são as questões penais!