1. Não vejo onde é que está a alegada inconstitucionalidade de uma norma que estipule a responsabilidade individual pela proteção da saúde própria e alheia, como esta que consta da proposta governamental de Lei de Bases da Saúde.
Por duas razões fundamentais:
- primeiro, a própria Constituição estabelece explicitamente um dever de defender e proteger a saúde e não distingue entre a saúde própria e a de terceiros;
- segundo, em matéria de direitos sociais não deve haver direitos individuais sem responsabilidade individual, visto que os direitos sociais são pagos por todos e a irresponsabilidade individual fica cara à coletividade.
2. Nem se diga que um tal dever não é suscetível de sanção, ou que poderia abrir caminho a sanções aburdas como a recusa de cuidados de saúde a quem infringisse tal obrigação (um argumento puramente terrorista).
Antes de mais, pode haver (e há) "normas imperfeitas", sem sanção, sem por isso perderem o seu sentido normativo, como "deveres cívicos", permitindo a censura comunitária sobre comportamentos que as ignorem. Por outro lado, não vejo, por exemplo, porque é que uma obrigação legal de vacinação não pode ser sancionada (por via contraordenacional, por exemplo) ou porque é que é que um fumador não há-de ser discriminado, por exemplo, no pagamento de taxas moderadoras pelos cuidados de saúde decorrentes da sua adicção.
É tempo de equilibar uma hipercultura de direitos contra o Estado e a sociedade com um módico de cultura de responsabilidade individual perante a coletividade. E se a moral social dominante não favorece essa responsabilidade individual (pelo contrário), que seja a lei a incentivá-la.