1. Discordo em absoluto da ideia de que, havendo uma maioria de abstencionistas, é a abstenção que ganha as eleições.
Por várias razões:
- primeiro, não houve nenhum partido ou proposta abstencionista;
- segundo, quem não vota opta por não escolher nenhuma das opções políticas concorrentes, e não é por falta delas;
- terceiro, a abstenção pode dever-se a uma série de motivações diversas, desde a comodidade à falta de informação, que não podem ser agregadas numa posição convergente;
- por último, não é lícito, em termos democráticos, equiparar aqueles que escolhem votar, incorrendo nos seus custos (informação, deslocação, "custos de oportunidade") e quem opta pelo desinteresse ou pela displicência.
O que é de admirar, aliás, é que haja tantos votantes, considerando os custos de ir votar, assim como a improvável relevância decisória de um voto individual entre muitos milhões, de acordo com um elementar cálculo de probabilidades. Nesse sentido, a democracia eleitoral releva do prodígio!
2. Há países que tentam solucionar o problema das abstenção através da obrigatoriedade do voto, como na Bélgica, na Grécia, no Brasil, entre outros países.
Mas, para além da questão da compatibilidade da obrigação de votar com uma conceção liberal da democracia (segundo a qual o voto é um direito, não uma obrigação), resta saber se a obrigatoriedade do voto não favorece a fraude na justificação das faltas e se ela não é suscetível de alimentar o ressentimento dos que se veem forçados a votar contra sua vontade.
Entre nós, a Constituição estipula que o voto é um "dever cívico", não sendo claro se o seu incumprimento pode gerar sanções, que a lei atualmente não prevê.
3. Em todo o caso, o que não existe é nenhuma experiência relevante de atribuição de relevância política à abstenção quanto à repartição de mandatos no parlamento, apesar de algumas propostas doutrinárias e políticas de lhe atribuir "assentos vagos". Mas numa democracia representativa só deve contar quem se quer fazer representar e não quem abdica dessa representação.
Entre nós, falta de todo em todo qualquer margem constitucional para a consagração de uma solução dessas.