1. Na sua crónica de hoje no Expresso, Miguel Sousa Tavares escreve que «os nossos pais fundadores da Constituição de 76 quiseram um sistema semipresidencial que, não dando ao Presidente o papel principal, lhe deu, todavia, muito mais poderes dos que tinha anteriormente, na Constituição do Estado Novo de 1933».
Mas não é assim.
A Constituição de 1933 consagrava uma espécie de "presidencialismo governativo indireto", visto que o Governo, chefiado pelo Presidente do Conselho [de Ministros], retirava a sua legitimidade política do Presidente da República, que o nomeava e demitia livremente e que presidia ao Conselho de Ministros, ao contrário do que sucede na Constituição de 1976 (depois da revisão constitucional de 1982), em que o Governo só depende da confiança política da AR, e não do PR, e em que o PR não pode nomear livremente nem demitir livremente o Governo (pelo que, a meu ver, não faz sentido caracterizar o sistema de governo como "semipresidencialista").
2. É certo que, no sistema do "Estado Novo", a Constituição se transformou num instrumento puramente "semântico", sem comando sobre a "realidade constitucional", desde logo no que se refere ao sistema de governo, pois foi o chefe do Governo (Salazar e depois Caetano) que assumiu as rédeas do poder, à margem do PR (cujos titulares o primeiro escolheu livremente), esvaziado de poder, ao contrário do estabelecido na Constituição.
Mas se se trata de comparar poderes constitucionais, então o PR da Constituição de 1976 não tem nem de longe nem de perto os poderes que a Constituição de 1933 atribuía ao Chefe do Estado. Felizmente, direi eu...