segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Vontade popular (11): Equação governativa complicada

1. As eleições para o parlamento regional dos Açores de ontem traduziram-se numa vitória por maioria relativa do PS (menos de 40%), o que é um revés eleitoral, pois tem menos cinco deputados e perdeu a maioria absoluta que tinha. Aliás, também não há hipótese de uma coligação maioritária à esquerda, pois a soma do BE não atinge os 29 deputados necessários, nem com uma eventual ajuda do PAN.

Já o conjunto da direita (PSD+CDS+CHEGA+PPM+IL) perfaz uma maioria parlamentar (e mais 6pp nos votos do que as esquerdas!), a qual, porém, não se deve concretizar numa coligação de governo, dada a sua inconsistência, nomeadamente por causa do Chega.

2. Em todo o caso, estas eleições resultaram numa acentuada fragmentação do parlamento açoriano, que, apesar da saída da CDU (outro revés), passa a ter nada menos de oito partidos representados, com três novos partidos a entrar nas bancadas do parlamento da Horta (Chega, PAN e IL). 

Com efeito, dois partidos conseguem representação parlamentar com menos de 2% dos votos (PAN e IL) e outro partido (PPM) consegue dois deputados (ou seja 3,5%) com menos de 2,5% dois votos, o que não deixa de ser extraordinário em termos de "majoração" eleitoral às avessas
[Revisto]

Adenda
Um leitor pergunta se, tendo sido o PS a ganhar as eleições, o representante da República pode nomear um eventual Governo do PSD com o apoio de todas as direitas. Como sempre defendi numa situação semelhante, ao contrário (em 2015), o partido que ganhou as eleições (o PS) deve ser chamado a constituir governo, mas se este for rejeitado no parlamento regional pela união das direitas, então deve ser o PSD chamado a formar governo, se conseguir o apoio parlamentar de todas as direitas. É assim que funciona a democracia parlamentar: quem ganha eleições sem maioria, arrisca-se a ir para a oposição. Divertido vai ser ver os partidos que anatemizaram a solução de 2015 como "usurpação do poder" recorrerem agora a ela.

Adenda (2)
O atual sistema eleitoral açoriano apresenta duas características que facilitam a fragmentação parlamentar e dificultam a governabilidade: (i) círculos eleitorais muitos pequenos (como o Corvo e as Flores), que permitem eleger deputados com um número de votos ínfimo e (ii) excessiva proporcionalidade permitida pelo "círculo de compensação".

Adenda (3)
Um leitor acrescenta, com razão, que também seria divertido ver agora o PS a atacar, em nome da "ilegitimidade" política, uma solução de governo de que beneficiou em 2015. Mas espero que isso não suceda...

Adenda (4)
É claro que o PSD não pode aceitar estas condições do Chega para viabilizar uma "geringonça" de Direita nos Açores. Sendo assim, se a direita votasse a rejeição de um governo minoritário do PS e depois também não conseguisse formar governo, só restaria o recurso a novas eleições. O problema é que também nos Açores existe o impedimento de dissolução do parlamento regional nos seis meses seguintes à sua eleição e não faz sentido manter o atual governo em funções de gestão durante esse tempo todo...