quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Não é bem a mesma coisa (2): Falsas equiparações

1. Há comentadores de direita que procuram desculpar a aliança do PSD e do Chega para apoio ao novo governo regional dos Açores, invocando o apoio negociado pelo PS com o PCP e o BE, em 2015, para formar o anterior governo do PS a nível nacional. Apesar de não ter apoiado a "Geringonça", entendo que as situações não são equiparáveis.

Evidentemente, o PCP e o BE são partidos de extrema-esquerda, assumidamente hostis à economia de mercado, à integração europeia e à disciplina orçamental, razão de sobra para tornar improvável uma aliança de governo com eles por parte do PS, por este estar comprometido doutrinariamente e politicamente com todos esses princípios. Em todo o caso, há que reconhecer que durante a legislatura esses partidos silenciaram as referidas posições, não deixando de ser curioso que tenha sido um Governo apoiado por ambos que conseguiu o primeiro excedente orçamental desde 1976!

2. Ora, apesar desse fosso em matéria de políticas económicas e financeiras, a verdade é que nenhum desses partidos tem propostas políticas manifestamente atentatórias dos direitos humanos e da dignidade humana, que estão na base da CRP de 1976, como as propostas do Chega de instituir penas físicas (como a castração) ou a pena de prisão perpétua, para além das suas posições claramente racistas e xenófobas, contra ciganos e imigrantes. 

Uma coisa são as divergências sobre o sistema económico e financeiro e sobre a integração europeia, por mais fundas que sejam, outra coisa são divergências essenciais quanto ao respeito pela dignidade humana. Ora, não consta que que o Chega vá colocar essas posições na gaveta enquanto durar a sua aliança nos Açores com o PSD. Rui Rio vai ter de se explicar sempre que elas sejam reiteradas

Não se misturem, portanto, alhos com bugalhos.

Adenda
Em entrevista ao Público, o vice-presidente do PSD, Morais Sarmento, argumenta que «o apoio às nossas propostas não se recusa». Mas o sofisma é óbvio: ninguém critica o PSD por não ter recusado o apoio do Chega nos Açores; o que se critica, sim, é que tenha procurado e negociado esse apoio com o Chega, fazendo as necessárias concessões

Adenda 2 (12/11)
Já combinam os tuits.  Entendimento perfeito!
[No Jornal de Notícias de hoje)

Altamente, comprometedor! Rio deveria esclarecer esta sintonia comunicativa.

Adenda (3)
Um leitor comenta que, se não fosse combinado, seria ainda pior: pensam o mesmo! Les mauvais esprits se rencontrent...

Adenda (4)
Um leitor do PSD protesta que «não existe nenhum acordo com o Chega a nível nacional». Mas não tem razão: (i) há o anúncio do Chega sobre os termos do "acordo nacional" (abaixo reproduzido), que o PSD não exigiu que fosse retirado; (ii) mesmo que houvesse somente o acordo a nível regional (cujo texto ainda se não conhece, não se sabe porquê...), é claro que ele teve o beneplácito de Rio.

Adenda (5) 
Convergindo com a minha tese: «Ao contrário da esquerda [BE e PCP], que, apesar de não gostar do capitalismo e da economia de mercado, foi aprendendo a conviver com a democracia e com as instituições, esta direita fez o caminho inverso e radicalizou-se. Retomou o culto da personalidade em torno de líderes únicos e demagogos, assenta a sua estratégia de afirmação política na estigmatização de etnias, no desprezo pela diversidade, na desconsideração das minorias, na desvalorização da ciência, na promoção da desinformação, no histerismo justiceiro e securitário e no discurso totalmente anti-instituições. Isto não é ser liberal nem conservador. É mero populismo.» (F. Proença de Carvalho, Aonde chega o PSD?).