segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Presidenciais 2021 (6): "Ficção presidencial"

1. Concordo com esta análise de M. Vilaverde Cabral sobre a previsível abstenção elevada nas eleições presidenciais, que vão ser afetadas por três razões: (i) a pandemia, que afasta os cidadãos das eleições e não permite uma campanha eleitoral normal; (ii) o facto de a eleição ter vencedor antecipado, por larga margem; (iii) a falta de empenho dos dois principais partidos, visto que o PS não tem candidato próprio e o PSD não apoia MRS entusiasticamente.

Portanto, estas eleições têm tudo para serem pouco mobilizadoras, salvo para a disputa do segundo lugar entre setores minoritários do eleitorado.

2. Mas não acompanho MVC quanto à alegada culpa daquilo que ele designa por "ficção presidencial", ou seja, o argumento de que a eleição direta não se justifica face aos poucos poderes políticos do PR.

Na verdade, continuo a entender que no nosso sistema constitucional, apesar da estrita separação de poderes entre PR e Governo, há justificação para a eleição direta do Presidente, dada a importante função que lhe cabe de supervisão do sistema político e de contenção de abusos das maiorias parlamentares, designadamente quanto ao poder de veto legislativo, a partilha do poder de nomeação de importantes titulares de cargos públicos, a convocação de referendos, a declaração do estado-de-sítio e do estado-de-emergência e, em última instância, a dissolução parlamentar. Não vejo como é que estes poderes independentes poderiam ser legitimamente exercidos sem que o PR tivesse legitimidade eleitoral direta.

De resto, não faltam países com sistemas de governo de tipo genuinamente parlamentar em que o PR não dispõe de tais poderes mas é eleito diretamente (Irlanda, Áustria, Finlândia, etc.). 

3. A ficção política que há muito existe entre nós, e demora a desaparecer (desde 1982!), é a ficção semipresidencialista quanto ao sistema de governo, pois, de facto, entre nós: (i)  o PR não governa, nem cogoverna, nem compartilha da função governativa; (ii) o órgão de condução da política nacional é o Governo e só ele; (iii) o Governo, cuja legitimidade política decorre das eleições parlamentares (via AR), não depende da confiança nem de tutela política do PR.

Neste sentido, ao contrário do que sucede nos regimes presidencialistas ou semipresidencialistas (em sentido próprio), as eleições presidenciais entre nós não afetam o Governo nem a política governamental. Mas, dependendo das circunstâncias e do Presdente eleito, elas podem alterar, e muito, não somente o quadro político em que os governos em funções se movem e conduzem as suas políticas, mas também a sua própria subsistência política (caso de dissolução parlamentar). 

É por isso que as eleições presidenciais não podem nem devem ser desvalorizadas.