sábado, 23 de janeiro de 2021

Vontade popular (12): "Candidatos paraquedistas"

1. A propósito deste post, um leitor deseja resposta para esta questão conexa:

«(...) solicito-lhe a gentileza de me esclarecer sobre a licitude ou racionalidade das candidaturas às autarquias locais por candidatos vindos de fora e sem ligação conhecida à cidade ou ao concelho. Será que o raciocínio vertido no seu post sobre as moradas do actual PR não poderá valer, mutatis mutandis, para estas situações? Por exemplo, temos lido nos jornais que Pedro Santana Lopes pondera regressar à política, eventualmente para se candidatar a uma câmara com o apoio do PSD, tendo PSL afirmado que não será candidato a Lisboa. Ora ele é de Lisboa, a sua ligação é com a capital, apesar de ter ganhado no pretérito a Figueira da Foz. Qual a razão por que as leis eleitorais não evitam estas situações em que os candidatos "pára-quedistas" são useiros e vezeiros?»

O tema é muito importante. Convém lembrar que a situação de Santana Lopes ocorreu muitas vezes com outros protagonistas em outros municípios. Aliás, vários dos ex-presidentes de CM que completaram o número de mandatos permitido à frente do mesmo município estão a candidatar-se a municípios vizinhos.

2. Quanto à licitude dessas situações, a lei não as proíbe espressamente, nem a opinião pública as censura especialmente. Não sei se tais candidaturas alguma vez foram judicialmente impugnadas, mas - que me lembre - o Tribunal Constitucional não foi chamado a decidir sobre tal questão.

No entanto, há boas razões para questionar tais candidaturas, como já o fiz num colóquio universitário há uns anos. As eleições locais são expressão de autogoverno das comunidades locais, o que, por definição, diz respeito somente aos cidadãos locais, sob pena de ele se tranformar em heterogoverno, se entregue a forasteiros (descontando os possíveis conflitos de interesse local). Por isso, só quem é eleitor na comunidade local deve poder ser candidato à sua governação.

Admitir a candidatura de pessoas de fora, não pertencentes à comunidade que vão governar, seria o mesmo que admitir a eleição de estrangeiros para a presidência da República ou a sua designação para Primeiro-Ministro, o que, naturalmente, está constitucionalmente excluído.

Adenda
Outro leitor pergunta se essa objeção vale igualmente para as eleições parlamentares, em que também há "paraquedistas" em listas eleitorais de distritos em que não residem nem votam. A resposta é negativa. Por um lado, trata-se de eleger um único órgão de soberania nacional (a AR); por outro lado, os deputados representam toda a coletividade nacional e não somente os eleitores dos círculos por que são eleitos. Nenhuma objeção constitucional, portanto.