1. Embora lamentando o veto presidencial do novo diploma da despenalização da morte medicamente assistida (abreviadamente conhecida como eutanásia), não consigo acompanhar os protestos contra ele. Na verdade, ainda que se possa discutir se as razões invocadas pelo PR (aliás, nem todas pertinentes) bastam para justificar o veto legislativo, ele tem, porém, razão quanto à inconsistência conceptual do diploma.
De facto, apesar de o art. 2º conter supostamente a definição das noções depois utilizadas, assim não sucede, todavia. O preceito-chave do diploma, que é o art. 3º, despenaliza a morte medicamente assistida, a pedido do interessado quando «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença incurável e fatal» [negrito acrescentado]. Ora, o conceito de "doença incurável e fatal" não consta do art. 2º (que define o conceito de "doença grave ou incurável", o que não é a mesma coisa). Acima de tudo, não faz sentido na intenção do diploma o requisito de "doença fatal", quando tal não se requere no caso de "lesão definitiva de gravidade extrema"; de resto, no nº 3 do mesmo artigo já se prescinde do requisito da "doença fatal". Em que ficamos?
Não dá para entender esta falha de rigor num diploma destes, já em segunda edição.
2. É certo que estas incongruências conceptuais poderiam não resistir a uma cuidada tarefa de interpretação jurídica e judiciária, pelo que o PR as utilizou como pretexto para um veto político, de fundo claramente ideológico, indo ao encontro da direita mais conservadora e travando a despenalização da eutanásia durante mais algum tempo.
Mas não deixa de ser igualmente evidente que os deputados que reformularam o diploma depois do juízo de inconstitucionalidade do TC deveriam saber que não podiam deixar margem ou pretexto a Belém para se prevalecer ostentatoriamente do poder de veto (que o atual Presidente tem exercido de forma assaz discricionária). Pouco cuidadosos foram e só de si mesmos se podem queixar.