1. Na justa condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia não devemos esquecer, porém, o encadeamento do processo político que levou a este desenlace, justamente recordado neste artigo de um especialista em política internacional, J. P. Teixeira Fernandes, no Público de ontem, de que vale a pena transcrever o último parágrafo:
«O Ocidente falhou em termos morais e políticos. Falhou por não falar claro à Ucrânia e ajudá-la a perceber a opções reais que tinha. Levou-a a afastar-se da neutralidade sem lhe dar uma alternativa exequível. Pior ainda, o Ocidente ignorou o interesse estratégico permanente da Rússia e os seus sentimentos de humilhação, sem proteger efectivamente a Ucrânia. Não obstante a invasão da Rússia ser totalmente injustificada, desrespeitar grosseiramente o Direito Internacional e merecer uma condenação inequívoca, há responsabilidades ocidentais que não se podem iludir agora. A ambição ucraniana de integração da NATO e União Europeia precisava de garantias efectivas de realização. Se isso sempre foi assim, tornou-se demasiado evidente após a anexação da Crimeia (2014). Mas o que fizeram a NATO e a União Europeia? Encorajaram (demasiado) a orientação ocidental da Ucrânia — espicaçando o nacionalismo russo — sem se comprometerem (de forma adequada) com a sua adesão. Não o fizeram porque isso implicava dar garantias de adesão e de segurança militar, assumindo o risco de enfrentar a Rússia, algo que os ocidentais não estavam dispostos a fazer. Para além das manifestações de solidariedade a custo zero, afinal, quem quer morrer pela Ucrânia?»
2. Outro aspeto em que a atual unanimidade antirrussa me parece falhar consiste em apresentar a invasão da Ucrânia como uma decisão isolada do "ditador" Putin e da elite do poder do Kremlin na execução de um maquiavélico projeto pessoal de reconstituição do antigo império russo.
Ora, se bem interpreto o que se passa na Rússia, o espírito nacionalista e o receio pela segurança nacional são hoje sentimentos vastamente dominantes entre a população, decorrentes da desagregação do império aquando do desmoronamento da União Soviética, da discriminação das minorias russas nos novos países independentes e da expansão da Nato até às fronteiras da Rússia.
Como já assinalei anteriormente, espicaçar e alienar uma potência vencida e ressentida acarreta riscos, aliás anunciados, que não deviam ter sido ignorados.