quinta-feira, 24 de março de 2022

Praça da República (63): Um novo Governo inovador

1. Apraz-me verificar que a estrutura do novo Governo ontem anunciado pelo PM responde a quase todas as minhas preocupações expostas neste meu post de há um mês sobre a composição do Governo, nomeadamente as seguintes:
    - equipa mais compacta, com menos ministérios e muito menos secretarias de Estado (menos 20% no conjunto);
    - equilíbrio de género a sério (pela primeira vez, tantos homens como mulheres);
    - separação do pelouro dos assuntos europeus do MNE e sua dependência política direta do próprio PM (o mesmo sucedendo com a transição digital, destacada do ministério da Economia);
    - ministério da Justiça não entregue a um membro da magistratura.
De lamentar, porém, a origem quase exclusivamente lisboeta dos ministros, incluindo a perda da "quota" que o Porto tinha nos últimos governos, e a fútil mudança da nome de vários ministérios, como se estes  tivessem de ter uma designação compreensivamente descritiva do respetivo pelouro.
Descontados estes dois pontos - mais censurável o primeiro do que o segundo -, trata-se de um Governo de conceção inovadora, que vai deixar registo na história dos governos desde 1976

2. A meu ver, a mudança política mais marcante está na transferência da secretaria de Estado dos Assuntos Europeus do MNE para a dependência direta do PM, mudança que defendo politicamente há muito tempo, por duas razões fundamentais:
   - a política europeia é transversal a todo o Governo e a quase todos os ministérios e políticas setoriais (basta ver as formações do Conselho da União), pelo que carece de uma coordenação e de supervisão política integrada, não fazendo nenhum sentido pertencer a um ministério setorial, como o MNE;
    - os assuntos europeus não integram a política externa (salvo no que respeita à PESC da própria União), mas sim as várias políticas internas, constituindo a camada "federal" das políticas nacionais, no "sistema de governo em dois níveis" da UE, não havendo, portanto, nenhuma razão para misturá-la com a esfera da diplomacia externa.
Penso, aliás, que este desligamento dos assuntos europeus do MNE deve ser completado com a substituição da chefia da REPER nacional em Bruxelas, que deve deixar de caber a um embaixador nomeado pelo MNE (como hoje sucede), passando a ser um "comissário" governamental, nomeado pelo PM e responsável perante este (via SE dos Assuntos Europeus). 
Só assim se torna coerente a cadeia de comando político relativa à condução governamental da política  europeia, em Lisboa e em Bruxelas.