1. Na sua coluna de hoje no Público (acesso eletrónico exclusiva para assinantes), J. M. Tavares critica o facto de Augusto Santos Silva e Edite Estrela terem sido eleitos respetivamente presidente e vice-presidente da AR, apesar de, no seu entender, serem «duas das pessoas que mais ativamente colaboraram com o homem que liderou o regime mais corrupto desde o 25 de Abril».
Esta acusação gratuita é politicamente indefensável. Primeiro, mesmo que Sócrates venha a ser condenado pelos crimes por que está acusado (onde consta um crime de corrupção), isso não transforma em corruptos nem o PS, nem os governos daquele, nem muito menos o seu "regime" (o que quer que isso seja); a parte não contamina o todo! Em segundo lugar, é inadmissível corresponsabilizar pelos referidos crimes quem tenha colaborado com Sócrates no PS, no Governo ou no Parlamento, desde logo porque os factos que lhe são imputados só vieram a ser conhecidos posteriormente e porque nada têm a ver com eles; eventualmente a responsabilidade política pode "objetiva" (sem culpa), mas não pode ser superveniente. Por último, mesmo que, por absurdo, fosse de imputar responsabilidade coletiva ao PS ou aos colaboradores de Sócrates, os eleitores já a teriam "amnistiado" nas eleições em 2019 e 2022, em que, aliás, aqueles dois dirigentes do PS (e outros colaboradores chegados de Sócrates) foram candidatos em lugares destacados.
Só falta mesmo culpabilizar também os presidentes da República que com ele coabitaram e cooperaram politicamente, devendo ter-se dado conta das malfeitorias secretas do chefe do Governo.
2. Não sei se a sanha persecutória de alguns "antissocratistas" profissionais os vai impedir de irem até ao fim e exigirem a ostracização política perpétua de todos os colaboradores do antigo Primeiro-Ministro, obrigando-os a usar um sinal identificador para escarmentação pública.
É óbvio que não lhes ocorre considerar que os antigos colaboradores e apoiantes de Sócrates o foram em nome do seu programa de resgate da autoridade do Estado e do bom desempenho das instituições (depois da deriva de Santana Lopes), de reforma e modernização do País (economia, segurança social, saúde, ensino superior, etc.), de combate aos privilégios de corporações de interesses de toda a ordem à custa do orçamento (incluindo os jornalistas...), que nunca lhe perdoaram a desfeita.
A provável condenação do antigo PM por crimes no exercício de funções mancha obviamente a sua obra, mas não condena nem desautoriza politicamente também aqueles que de boa fé colaboraram na sua realização, ao serviço da República.