terça-feira, 21 de junho de 2022

Este País não tem emenda (30): Indignidade humana

1. Julgava em que em matéria tauromáquica já bastava a tourada em si mesma, como espetáculo degradante da dignidade humana, enquanto exercício de tortura sangrenta de animais para gáudio sádico da populaça ululante. Mas estava enganado. 

O lobby ganadeiro inventou agora as touradas com anões a fazer de toureiros, numa exibição sumamente indigna da condição humana. O curioso é que este género de espetáculo foi introduzido entre nós por uma associação de bombeiros voluntários, que, além de associação humunitária", goza de apoios públicos e que, à partida, não consta que tenha competência para organizar espetáculos tauromáquicos!

2. Não me surpreende que haja gente tão insensível, que aprecie estes espetáculos grotescos e degradantes, com pessoas fisicamente anómalas, sujeitas ao ridículo público.

Todavia, num país cuja Constituição diz ser «uma República baseada na dignidade da pessoa humana» (art. 1º da CRP), como é possível que tal espetáculo tenha sido irresponsavelmente organizado por uma entidade social de interesse público e burocraticamente licenciado pela autoridade administrativa competente, e que o Ministério Público não tenha interposto imediatamente uma providência cautelar para o proibir, como era sua obrigação!

Alguém vai responder por tanta leviandande?

Adenda
Discordo em absoluto desta tese de J. M. Tavares, no Público de hoje, segundo a qual «devemos sempre evitar impor os nossos conceitos de dignidade humana a pessoas que não consideram que a sua dignidade esteja a ser ferida». Por essa ordem de ideias, não deveríamos considerar como incompativel com a dignidade humana a mutilação genital feminina das crianças na Guiné e noutros países africanos, cujas mães consideram tal prática um digna obrigação cultural e religiosa; nem o humilhante tratamento das mulheres no radicalismo islâmico, só porque a maior parte delas o aceita sem protesto, como um mandamento religioso; ou, entre nós, a prostituição de berma de estrada (uma das miseráveis consequências do não reconhecimento legal da profissão), só porque a maior parte delas não a consideram indigna. Um tal relativismo da noção de dignidade humana seria meio caminho andado para tolerar os piores abusos dela.