sábado, 10 de setembro de 2022

Não concordo (35): Premiar a imprevidência financeira?

Não vejo nenhuma justificação para uma dedução fiscal dos juros do crédito à habitação para toda a gente, para minorar o impacto da subida dos juros.

Por um lado, seria uma medida socialmente regressiva, visto que, além de beneficiar em geral pessoas de rendimento relativamente confortável, seria cega à situação económica de cada devedor. Por outro lado, não se pode dizer que o nível de juros seja anormalmente elevado, pelo contrário; o que foi anormal foi o longo período de juros baixos, ou até negativos, de que beneficiaram todos os devedores. Ora, ninguém poderia ter uma expectativa minimamente razoável de que essa situação anómala se poderia manter indefinidamente. 

Tal como os demais portugueses, também os titulares de créditos à habitação devem suportar a sua parte nos custos da inflação. O Estado e os contribuintes não podem ser o seguro pronto a pagar a imprevidência ou irresponsabilidade financeira dos devedores que incorreram em empréstimos acima das suas possibilidades.

Adenda
Um leitor recorda que pior do que o "crédito fiscal" aos compradores de casa foi a bonificação de juros do empréstimos para compra de habitação, incluindo um regime especial de "habitação jovem", que vigorou no final do século passado e princípio do atual século, em que muita gente abastada aproveitou para comprar casa em nome dos filhos, beneficiando do generoso subsídio do Estado. Tem o leitor razão na evocação desse período em que o Estado subsidiava sem critério social e em que o défice orçamental e o endividamento público não eram motivo de preocupação!

Adenda 2
Felizmente, parece que o Ministro das Finanças não está disponível para essa. Ainda bem que há alguém crescido na sala!

Adenda 3
Um leitor defende que os devedores de créditos à aquisição de habitação deviam poder deduzir no IRS o mesmo que os arrendatários, ou seja, 15% dos juros pagos. Mas não é a mesma coisa: por um lado, quem  compra casa tem em princípio maior rendimento do que quem arrenda; por outro lado, o grande motivo para o crédito fiscal em relação à rendas tem a ver com a necesidade de incentivar os arrendatários a exigirem recibo fiscal, de modo a reduzir a evasão fiscal dos senhorios...