quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Não com os meus impostos (10): Medidas onerosas e contraproducentes

1. Segundo estes números oficiais, a passagem indiscriminada de consumidores de gás (salvo os grandes consumidores) para o mercado regulado custa 60 milhões de euros ao orçamento de 2023, em perdas de IVA (sem contar com o impacto económico negativo sobre as várias empresas fornecedoras e sobre o respetivo IRC). Por sua vez, a "borla" geral que consiste no desconto do ISP no consumo de combustíveis custa quase 1500 milhões de euros, só em 2022.

Em termos sociais, mais valera desviar a receita correspondente a essa elevada "despesa fiscal" para reduzir mais o défice orçamental e a dívida pública (a fim de melhorar o rating da República e travar a subida dos juros em curso) e para apoiar mais fortemente (por exemplo, através de um "cheque-energia") as pessoas económica e socialmente mais vulneráveis, que são as principais vítimas do surto inflacionista. 

Não vejo porque é que, numa situação de crise, as pessoas com rendimentos mais confortáveis não devem suportar a sua parte nos custos mais elevados da energia que consomem, e revolta-me pensar que os automóveis de alta cilindrada e de elevado consumo que circulam impunemente na autoestrada a 180 ou 200 km/h também beneficiam desse indiscriminado "apoio social" ao combustível que queimam...

2. Além de serem socialmente regressivos - por beneficiarem indiscriminadamente toda a gente, independentemente dos meios económicos -, esses apoios financeiros transversais enviam um sinal errado em várias direções: (i) quanto à necessária poupança de recursos importados a preços elevados (que agravam o défice da balança comercial e o endividamento externo do País), (ii) quanto ao alívio da pressão da inflação (que a redução da procura induziria) e (iii) quanto à redução da emissão de CO2 (por meio da diminuição do consumo de combustíveis fósseis).

Socialmente cegas, quando não o deviam ser, essas medidas também não contribuem em nada para o bem-estar coletivo noutros aspetos.

Adenda
Um leitor pergunta se as empresas que operam somente no mercado liberalizado de gás e que vão perder muitos clientes para as empresas fornecedoras do mercado regulado poderão exigir compensação ao Estado por essas perdas, por efeito de uma intervenção administrativa não prevista nas condições de mercado. Boa pergunta!

Adenda 2 (27/11)
Faz todo o sentido este pedido das empresas do mercado livre do gás, no sentido de poderem aplicar a tarifa regulada, a fim de impedirem a migração em massa dos seus clientes para as empresas que operam no mercado regulado. Mais vale lucrar menos ou mesmo sofrer prejuízo durante algum tempo do que ir à falência por fuga dos clientes.

Adenda 3
Outro leitor objeta que «a procura de combustíveis é insensível aos preços», mas não tem razão, nem quanto aos consumidores domésticos nem para as empresas. Basta notar que na Alemanha, onde os preços do gás mais subiram, por causa da dependência da Rússia, a poupança de gás, quer pelas famílias quer pela indústria é superior a 20%, o que, conjugado com a importação de gás liquefeito de outras origens, ajudou a baixar substancialmente o preço em relação ao pico anterior ao verão. 

Adenda 4
Estou plenamente de acordo com a presidente do BCE, C. Lagarde, hoje,ao anunciar mais uma subida dos juros: «Para limitar o risco de alimentar a inflação, as medidas de apoio orçamental para escudar a economia do impacto dos altos preços da energia devem ser temporárias e direcionadas aos mais vulneráveis». O que manifestamente se opõe às medidas transversais criticadas neste post, que colocam a política orçamental ao arrepio da política monetária do BCE.