1. Nascido na Bairrada, a minha primeira recordação de praia foi a Costa Nova, para onde minha avó materna (com quem morei nos primeiros anos de vida) me levava depois das colheitas. Mas, ainda criança, depois de passar a morar com meus pais, numa aldeia próxima, comecei a frequentar a praia de Mira, um pouco mais a sul.
Recordo que, durante alguns anos, ficávamos alojados num enorme "palheiro" de madeira, a norte da povoação, implantado em cima das dunas, cuja escada dava diretamente para a praia dos pescadores, ocupada pelos grandes barcos, de enormes remos, que entravam e saíam do mar puxados por juntas de bois sobre rolos de madeira, mais as longas redes, os compridos cabos e demais apetrechos de pesca.
Não perdia uma ocasião para compartilhar a animação da partida e regresso dos barcos, vencendo as ondas, e da chegada da rede. Nessa altura julgava que todo o peixe que se comia era pescado assim, naquela exigente faina rudimentar, e vendido às peixeiras, ainda a saltar, diretamente sobre a areal!
2. Ao ver as magníficas fotos do catálogo desta exposição sobre a "arte da xávega" na praia Vagueira, de A. Leitão Marques (a que entecipadamente tive acesso por cortesia do autor), rememoro, não sem emoção, esse tempo feliz da infância e, em especial, a excitação daquela vez em que, já mais crescido, consegui insinuar-me junto do patrão de uma das "companhas" e compartilhar, como remador amador, uma das viagens mar adentro, a lançar a rede e voltar à praia com o respetivo cabo, que as mesmas juntas de bois iam começar a puxar, aumentando o ritmo quando a rede se aproximava, para evitar a fuga do peixe.
Por vezes, era a desilusão da rede quase vazia, mas isso não desanimava aqueles homens de rosto curtido pelo sol, o vento e a maresia, que ganhavam o sustento a desafiar destemidamente as ondas e as marés durante os escassos meses do verão.