quinta-feira, 29 de junho de 2023

Corporativismo (48): Tal como ontem...

1. Tentando desviar a atenção da defesa protecionista de interesses corporativos, que entende serem afetados pela reforma em curso das ordens profissionais - designadamente a abertura da prestação de alguns dos atuais atos exclusivos a outros juristas -, a Ordem dos Advogados lançou uma campanha dirigida "ao cidadão", onde tenta mostrar que essa mudança reverte em desfavor dos clientes desses serviços.

Sem deixar de mencionar que o estilo e a linguagem da campanha - a começar pelo cartaz exibido na abertura do site da Ordem (acima reproduzido) - são mais próprios do agit-prop de qualquer grupo político radical do que de uma instituição pública com as responsabilidades da OA, penso que se trata de uma empresa antecipadamente votada ao fracasso, quanto ao fundo

2. À partida, as pessoas não acreditam que quem beneficia de um monopólio na prestação de um serviço esteja na melhor posiação para defender que o fim dessa coutada reverte em prejuízo de quem paga os sobrecustos de tal exclusivo. É uma óbvia contradição. 

Um cidadão racional tenderá a pensar, pelo contrário, que tal reforma - que obviamente não expropria os advogados dessa atividade -, só poderá proporcionar mais oferta desses serviços, mais liberdade de escolha, mais concorrência e melhor preço. E, em caso de dúvida, sempre podem continuar a recorrer aos advogados, que não perdem nenhuma competência, mas somente o monopólio dela. 

3. Esta situação faz-me lembrar uma similar, há quase duas décadas, quando o Governo, decidiu, em 2005, reduzir o monopólio da venda de medicamentos nas farmácias, permitindo a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM) também nos estabelecimentos que depois vieram a ser conhecidos por "parafarmácias", bastando aí a supervisão de técnicos de farmácia

Apesar de o Governo invocar a necessidade de aumentar a oferta e a concorrência, para baixar os preços, em favor dos utentes, também nessa altura a Ordem dos Farmacêuticos, acompanhando a ANF, veio opor-se a essa medida, argumentando que a venda de medicamentos sem supervisão de farmacêutico vinha pôr em causa a segurança dos cidadãos. 

Mas a reforma foi por diante, os seus objetivos concretizaram-se, os cidadãos agradecem e, hoje, aquele argumento parece pouco menos que ridículo. É o que parecerá também, daqui a poucos anos, o atual argumento similar da OA quanto aos serviços que agora, embora continuando a ser competência dos advogados, são abertos à concorrência de outros juristas, em benefício dos cidadãos...