quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...