sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (10): Não vale tudo

1. Um dos muitos "intelectuais orgânicos da direita" que enchem o espaço mediático veio explicar como é que Montenegro deve vir a ser chefe do Governo, mesmo se não vencer as eleições, mas houver maioria parlamentar das direitas, apesar de o líder do PSD ter reiterado publicamente o compromisso de só governar se ganhar as eleições e que não fará acordos de Governo com o Chega.

Entre os seus argumentos insinua-se o alegado precedente de que António Costa teria feito o mesmo em 2015. Mas não é verdade: não somente Costa não assumiu nenhum compromisso semelhante, como foi deixando indícios claros antes das eleições de que poderia fazer o que veio a ser a "Geringonça" (como mostrei AQUI e importa recordar). Na intervenção dos intelectuais no combate político não vale, pelo menos, falsificar a história.

2. Pelos vistos, o coro dos intelectuais orgânicos de direita que em 2015 achavam um gravíssimo "atentado democrático" "política e moralmente ilegítimo", um "verdadeiro golpe de Estado" (cito frases da altura) o facto de um partido que não tinha ganhado as eleições formar governo, com o apoio parlamentar de "partidos radicais", prepara-se agora, não somente para se mudar de armas e bagagens para a defesa de tal solução, mas também para instruir o líder do PSD a renegar os seus inequívocos compromissos políticos perante os eleitores - isso, sim, um qualificado atentado democrático, que descredibiliza a democracia parlamentar.

Um pouco mais de escrúpulos políticos, sff.

Adenda
Um leitor pergunta qual é a minha opinião sobre essa questão. É a mesma que defendi em 2015, pois, ao contrário dos funâmbulos de direita, não mudei de opinião, só porque podem mudar os protagonistas políticos. É a seguinte: (i) num sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso, o partido vencedor das eleições só tem assegurado o Governo, se tiver maioria parlamentar absoluta, sozinho ou em coligação; (ii) se tal não suceder, é perfeitamente legítima, quer em termos constitucionais quer políticos, a formação de um governo por outro partido (normalmente o segundo partido mais votado) que consiga apoio parlamentar maioritário. O juízo sobre tal solução é puramente quanto ao seu mérito político. Foi por isso que, em 2015, embora defendendo (contra toda a direita) a legitimidade democrática da "Geringonça", manifestei (quase contra toda a esquerda) o meu desacordo político com ela -, no que, aliás, também nunca mudei.