terça-feira, 11 de março de 2025

O caso Montenegro (10): O PR não devia coonestar o golpe do Governo

Penso que o Presidente da República não devia dar seguimento ao golpe do Primeiro-Ministro e do seu Governo para fugirem ao escrutínio parlamentar acerca da ligação daquele à sua empresa e às respetivas avenças. Pelo contrário, o PR deveria fazer valer essa obrigação essencial de qualquer Governo numa democracia parlamentar (como mostrei em post anterior) e fazer respeitar as prerrogativas da AR e os direitos da oposição, que integram a sua missão presidencial de "poder moderador".

Por isso, julgo que, em vez de dissolver imediatamente a AR e convocar eleições, cancelando a CPI - que era o grande objetivo de Montenegro -, o Presidente deve suspender essa decisão e manter o Governo em gestão até a CPI concluir o seu trabalho, dentro de 90 dias, como proposto pelo PS

Só então as eleições devem ser convocadas, com o conhecimento público das conclusões do inquérito, confirmando, ou não, as acusações que têm sido formuladas contra Montenegro, e habilitando os cidadãos a um voto esclarecido, em vez de serem chamados, como pretende o PSD, a uma espécie de plebiscito sobre o PM, feito "vítima" da demissão, sem conhecimento dos factos que só o inquérito parlamentar pode proporcionar.

Adenda
Um leitor sugere maliciosamente que o PR poderia seguir esse caminho, se se tratasse de um PM e um Governo do PS, mas que não vai fazê-lo agora, «para não enterrar o líder do seu partido de origem».  Seria bom que o PR não desse motivo a tais sugestões, tratando-se, como se trata, de um "poder neutro", na formulação clássica de Benjamin Constant, que não deve mover-se por preferências ou animosidades partidárias...

Adenda 2
Um leitor comenta que o PS deveria ter considerado a «desesperada cedência do Governo, de última hora, quanto ao inquérito parlamentar». Compreendo o argumento (que, se fosse eu, não teria desprezado), mas depois de ter declarado a guerra à AR e ao PS (apesar de este ter inviabilizado duas moções de censura), com a provocatória moção de confiança (como mostrei AQUI), em reação à proposta de inquérito parlamentar do PS, Montenegro perdeu toda a credibilidade política junto do PS para tentar negociar a CPI, o que, aliás, deve ter feito contravontade, por provável pressão de Belém e do susto da sondagem de opinião publicada ontem de manhã no Diário de Notícias, que colocava o PS muito à frente do PSD. Na política, antes de fazer uma declaração de guerra, convém ponderar se o único modo de evitar uma provável derrota não é retirá-la sem condições. 

Adenda 3
Depois de ter avançado provocatoriamente com um moção de confiança, explicitamente destinada a provocar eleições, a declaração de Montenegro, depois de conseguir esse objetivo, de que «tentámos a todo custo evitar eleições», não tem a mínima credibilidade, não passando de uma tentativa desesperada de fugir à censura pública pela provocação de eleições para fugir ao escrutínio parlamentar. Assente a indisponilidade do PS em ceder à chantagem, o único modo de evitar eleições era retirar a provocatória moção, sem condições, o que o Governo se recusou a fazer. Há limites para a hipocrisia política.